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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

60 anos de: A Love Supreme - John Coltrane (1965)

                       

Com certeza que A Love Supreme é um dos álbuns mais brilhantes da história do jazz instrumental e ao mesmo tempo uma das obras mais espiritualmente profundas já criadas. Não se trata apenas de um marco na carreira de Coltrane, o disco engloba o que é o reflexo de uma transformação pessoal, algo como se em determinado momento, artista e música se fundissem e se tornasse um só. 

Coltrane viveu um período de excelência em termos de crescimento musical e espiritual justamente nos anos que antecederam o lançamento de A Love Supreme. Embora tratasse de um nome conceituado no mundo do jazz instrumental desde a década de 1950, foi a partir de 1960 – época em que formou o seu próprio quarteto -, que Coltrane mergulhou ainda mais na ideia de desenvolver uma identidade própria dentro do universo do jazz. Foi durante essa fase nova que ele expandiu sua abordagem ao saxofone e ao jazz modal, além de buscar novas ideias que lhe trariam sonoridades inovadoras que lhe abririam caminhos para uma expressão artística cada vez mais pessoal. 

Vale destacar também que seu interesse pela espiritualidade se tornou cada vez mais evidente ao longo dos anos. Em 1957, período em que já se encontrava completamente livre das drogas e do álcool, decidiu iniciar uma caminhada de fé enquanto buscava uma maior compreensão sobre a existência e o propósito da vida. A partir dessa visão, começou a estudar inúmeras tradições religiosas. Neste registro, o mestre do saxofone entrega sua devoção ao jazz modal ao explorá-lo com intensidade emocional extrema e um significado espiritual profundo. 

Ao longo de 1964 Coltrane buscava de maneira incansável novas possibilidades em que ele pudesse ampliar os limites do jazz. Durante esse período ele experimentou novas abordagens no saxofone e desenvolveu ainda mais o uso de escalas modais, além de aprofundar sua técnica conhecida como sheets of sound (camadas sonoras). Esse conceito caracterizado por frases musicais extremamente rápidas, sobrepostas e densas, criava uma sensação de fluxo contínuo e quase hipnótico, algo completamente novo dentro do que era conhecido como improviso jazzístico. Para Coltrane a música não era apenas arte, também era um meio de conexão entre o mundo humano e um mundo capaz de transmitir sentimentos de devoção. Inclusive, essa visão se manifesta de forma clara e direta na dedicatória que escreveu no encarte do disco, revelando então a sua intenção sincera por trás da obra: Neste álbum, eu humildemente pretendo oferecer algo que tenha significado espiritual. Toda glória a Deus.

Paralelamente a tudo isso o seu interesse por outras culturas musicais também crescia. Ele se aprofundava no estudo da música indiana, tendo ficado fascinado pelos ragas e pela ideia de improvisação como um meio de transcendência espiritual. Além disso, ele também absorvia a influência dos ritmos africanos, especialmente as estruturas com polirritmias e que passaram a desempenhar um papel fundamental em sua abordagem rítmica. Essas influências, combinadas à sua evolução pessoal e artística prepararam o terreno bastante rico para a concepção de A Love Supreme.

Esse período também foi marcado por uma dedicação quase obsessiva ao estudo e à prática musical. Segundo músicos que conviviam com Coltrane, era relatado que ele passava incalculáveis horas praticando sem fazer qualquer tipo de pausa, completamente imerso em sua busca por um som cada vez mais profundo e expressivo. Para ele o saxofone não era apenas um instrumento, mas uma extensão da sua espiritualidade. Inclusive, também existem relatos de que Coltrane frequentemente tocava enquanto rezava ou meditava, pois essa era uma forma de manter sua prática musical e o seu crescimento interior.

Alice Coltrane, sua esposa na época, também comentou sobre essa profunda conexão entre música e fé, lembrando que ele frequentemente falava sobre sua visão espiritual da arte sonora. Para Coltrane cada nota e cada melodia, além de cada improviso, tudo tinha o potencial de expressar aspectos do divino e funcionava muito bem como uma ponte para dimensões superiores da existência. Essa crença não apenas guiava sua abordagem musical, mas também moldava sua filosofia de vida. 

É fato que A Love Supreme não foi apenas um álbum, mas também uma declaração poderosa de fé. Embora seus discos anteriores já apresentassem uma inclinação para o jazz modal e a experimentação, aqui tudo construído com um propósito muito mais claro e profundo. Coltrane não apenas explorou novas fronteiras musicais, ele também usou sua arte como um meio de expressar sua gratidão a Deus. Cada nota e cada frase foi composta e tocada com a intenção de transmitir um sentido de reverência que serviu como um convite para os ouvintes embarcarem em uma jornada sonora de conexão com o divino. 

Durante a gravação do disco, Coltrane se preparou de maneira quase ritualística, como se cada sessão fosse uma extensão de sua prática espiritual. O baterista Elvin Jones disse na época que o saxofonista estava em um estado quase meditativo enquanto tocava. Antes de cada sessão, se isolava em seu quarto e passava um tempo rezando e meditando, buscando se conectar com algo maior, uma força que pudesse guiá-lo em sua performance. Então quando entrava no estúdio para gravar, sua energia e concentração eram tão intensas que parecia ir além do ambiente físico e criava uma atmosfera única. 

O quarteto de John Coltrane em A Love Supreme era composto por músicos excepcionais que apenas elevaram ainda mais a ideia de Coltrane para o disco. McCoy Tyner no piano com sua abordagem modal e poderosa criava uma base harmônica sólida e expansiva. Jimmy Garrison no contrabaixo era fundamental para estabelecer o ritmo por meio de linhas meditativas que reforçavam a espiritualidade da música. O baterista Elvin Jones trouxe uma intensidade de polirritmias e uma energia dinâmica que criou uma interação constante com Coltrane e contribuiu para o fluxo contínuo do disco. 

Juntos os quatro músicos formaram uma unidade quase telepática e um coletivo onde cada um se apoiava no outro para explorar inúmeras possibilidades sônicas. A dinâmica entre eles era tão profunda que a interação parecia ultrapassar o simples ato de tocar juntos. A natureza modular da música de Coltrane e suas escalas e harmonias abertas permitia que cada músico tivesse a liberdade para improvisar e criar uma sensação de constante descoberta e evolução. Contudo, o que realmente destacava esse quarteto era a coesão única que mantinha todas as ideias musicais unidas, permitindo que cada improvisação fluísse de maneira orgânica e sem perder a essência da jornada musical como um todo.

“A Love Supreme Pt I – Acknowledgement” inicia o disco com um baixo marcante em um padrão hipnótico que funciona como uma espécie de mantra musical e que estabelece desde o início o caráter meditativo do álbum. Então que Coltrane entra com um improviso fervoroso sobre essa base constante e explora a melodia com intensidade crescente que soa quase como uma oração musical. É possível sentir que o seu saxofone parece estar em uma espécie de busca interior, variando dessa forma entre momentos de serenidade e explosões emocionais. 

A melodia se desenvolve de uma forma que mais parece um ritual, onde a sensação de uma oração musical é eminente com cada nota carregando um peso espiritual e emocional. Esse equilíbrio entre contemplação e êxtase é o que torna essa uma introdução tão poderosa para o disco e prepara o ouvinte para uma experiência sonora imersiva e profundamente significativa. Mas ainda vale destacar que na parte final da peça, Coltrane surpreende a todos introduzindo algo completamente inesperado, ele canta – algo raro em sua carreira - as palavras “A Love Supreme” repetidamente, o que reforça ainda mais a natureza devocional do disco. 

"A Love Supreme Pt II – Resolution", se apresenta com um caráter mais enérgico e que carrega uma tensão rítmica e força expressiva. Se a sonoridade da peça de abertura foi mais meditativa, aqui as coisas soam mais marcantes e poderosas ao conduzir o ouvinte a um novo estágio da jornada espiritual de Coltrane. O pianista McCoy Tyner assume um papel essencial ao adicionar acordes intensos e percussivos que combinam perfeitamente com a pulsação rítmica precisa da música, criando assim, uma base harmônica robusta. Seu piano não apenas sustenta a estrutura da peça, mas também adiciona camadas de dramaticidade.

Enquanto isso, Elvin Jones transforma sua bateria em uma verdadeira tempestade rítmica que preenche o espaço com batidas dinâmicas e que impulsionam a música com uma sensação de movimento constante. Sobre essa estrutura vibrante, Coltrane se entrega a um solo apaixonado e visceral que explora variações modais com uma profundidade impressionante. Cada frase de seu saxofone carrega uma carga emocional intensa e que reflete sua devoção e entrega espiritual. 

“A Love Supreme Pt III - Pursuance" inicia com um solo destruidor de bateria repleto de variações rítmicas e que prepara o terreno para uma das performances mais eletrizantes do álbum. Diferente dos movimentos anteriores em que a espiritualidade se manifesta ora de forma contemplativa e ora em expressões intensas de devoção, o que predomina aqui é uma sensação predominante de estar no meio de uma jornada frenética rumo à iluminação e à compreensão divina. As teclas entregam acordes expressivos e que sustentam a estrutura harmônica enquanto Coltrane toma a frente com um solo incendiário. Seu saxofone se torna um canal de expressão emocional extrema e navega com uma fluidez impressionante entre registros altos e baixos, explorando toda a extensão do instrumento. A cada frase a peça parece se expandir como se estivesse tentando romper os limites do físico e do espiritual.

Esse caráter quase maníaco da improvisação encontrado em “Pùrsuance” reflete em uma espécie de sede insaciável de conhecimento e soa como se Coltrane estivesse usando cada nota e cada frase para expressar sua busca interior por algo maior, mais ou menos como se o seu saxofone se tornasse um veículo de questionamento e descoberta.

A interação entre os músicos atinge aqui um nível de coesão impressionante, onde cada um contribui para a construção de um fluxo sonoro que nunca se acomoda, muito pelo contrário, ele sempre parece estar avançando e sempre explorando novas possibilidades. O resultado é um dos momentos mais virtuosos e arrebatadores do disco, uma verdadeira catarse sonora que transcende a música em si e se transforma em um verdadeiro clamor espiritual.

"A Love Supreme Pt IV – Psalm" finaliza o disco de uma maneira sublime por meio de uma peça que se apresenta como uma espécie de oração sem palavras, onde cada nota do saxofone de Coltrane ressoa como um verso recitado com devoção. Diferente dos movimentos anteriores, aqui não há um pulso rítmico fixo ou uma estrutura convencional de jazz. Em vez disso, a música flui de maneira mais livre e introspectiva, como se o músico estivesse canalizando diretamente sua fé por meio do instrumento.

O aspecto mais fascinante desse movimento é que ele segue a cadência e a entonação de um poema que o próprio Coltrane escreveu e incluiu no encarte do álbum. Embora não seja falado, o poema pode ser "ouvido" através das frases melódicas do saxofonista que possuem a capacidade de imitar a inflexão natural da voz ao declamar um texto sagrado. Essa abordagem confere à peça um caráter profundamente contemplativo, com a ausência de ritmo fixo permitindo que a melodia flutue sem amarras e soe carregada de emoção. 

O impacto de A Love Supreme foi algo que ultrapassou as fronteiras que cercavam o jazz e se tornou também um marco não apenas musical, mas espiritual e cultural. Sua recepção foi extremamente positiva e consolidou Coltrane como um músico que elevou o seu som a um nível de expressão mística e filosófica nunca visto. O sucesso comercial do disco também foi algo impressionante, principalmente em se tratando de uma obra tão ousada e experimental. A Love Supreme passou das quinhentas mil cópias vendidas nos primeiros anos e garantiu seu status de clássico instantâneo. A crítica o reconheceu como um dos discos mais inovadores da história e elogiou sua fusão de improvisação livre e estruturas modais, além da sua profundidade emocional.

Sua influência se espalhou por diversos outros gêneros musicais, como no rock em que artistas como Carlos Santana e The Doors beberam assumidamente na fonte da espiritualidade e da intensidade do álbum. No hip-hop a sua abordagem rítmica e sua liberdade estrutural inspiraram produtores e músicos que buscavam pensar fora da caixinha. Na música eletrônica a sua exploração de camadas sonoras e mantras repetitivos ecoaram nas atmosferas criadas por artistas contemporâneos. A dimensão espiritual da obra fez com que ela fosse adotada até mesmo por diversos movimentos religiosos e filosóficos. Muitos enxergam o disco como uma espécie de oração universal e que é acessível a qualquer um que busque uma experiência extranatural por intermédio da música. 

A Love Supreme é uma jornada sonora que reflete a entrega total de Coltrane à sua arte e à sua busca interior, além de sua fé. Cada acorde e cada improvisação é enxarcado de uma devoção profunda e que faz parecer que ele está se comunicando diretamente com o divino por meio de seu saxofone. A complexidade harmônica e a liberdade expressiva de sua improvisação não são apenas marcas de um virtuoso, mas a manifestação de uma jornada espiritual que é tanto pessoal quanto universal.

Até hoje, A Love Supreme permanece como um dos maiores legados da história do jazz, inclusive, não sendo apenas um marco na evolução do gênero, mas também um testemunho eterno da jornada de Coltrane. Sua busca sempre foi por algo além da música, por uma conexão profunda e significativa com o cosmos e que pudesse ressoar em cada nota tocada. Uma obra-prima que continua a inspirar gerações, enquanto as convida à uma jornada interior de descoberta e transcendência.

NOTA: 10/10

Gênero: Jazz Espiritual

Faixas:

1. A Love Supreme Pt I – Acknowledgement - 7:42
2. A Love Supreme Pt II – Resolution - 7:17
3. A Love Supreme Pt III - Pursuance - 10:42
4. A Love Supreme Pt IV – Psalm - 7:02

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Ghais Guevara - Goyard Ibn Said (2025)

                        

Ghais Guevara é um rapper que embora não tenha um nome muito reconhecido e possua a popularidade de outros nomes do gênero, tem uma base fiel de admiradores devido a sua autenticidade. Guevara se destaca na cena do hip-hop contemporâneo principalmente em meio ao movimento underground e se distingue por abordar temas profundos e relevantes, ao mesmo tempo em que mistura uma reflexão social com uma fluidez lírica.

Transitando entre o trap e o rap mais tradicional, Guevara usa de uma maneira bastante inteligente a música como uma plataforma que explora questões pessoais, políticas e sociais, sempre por meio de letras que são repletas de metáforas e simbolismos que refletem sua visão de mundo ao mesmo tempo que fazem que o ouvinte se questione sobre a realidade em que vive. 

Embora a sua carreira ainda esteja em um estágio em que ele busca maior visibilidade no mainstream, Guevara tem um impacto significativo dentro do nicho que ele ocupa, com muitos críticos e público da cena reconhecendo seu potencial. Desta forma, sua presença é forte no cenário do rap independente, onde continua a explorar seu próprio crescimento pessoal sempre com uma voz autêntica e sem medo de se expor.

Goyard Ibn Said é um disco que marca um momento significativo na trajetória de Guevara, afinal, não é apenas sua primeira grande obra completa, mas também seu primeiro trabalho sob o selo da gravadora Fat Possum Records. 

O disco se destaca por sua abordagem conceitual, sendo dividido em duas partes distintas com cada uma explorando diferentes nuances da experiência dentro da cultura hip-hop. Ao longo das faixas, o rapper constrói uma narrativa rica e multifacetada, refletindo sobre os desafios, os triunfos e as contradições que acompanham a ascensão à fama no universo do rap. Através de letras afiadas e uma identidade sonora particular, o álbum mergulha em temas que vão desde a autenticidade artística e a luta contra a comercialização da música até as pressões sociais e psicológicas impostas pela indústria.

Na primeira parte do disco, Guevara constrói a narrativa da ascensão meteórica de um protagonista fictício, Goyard, uma figura que encarna o arquétipo do anti-herói dentro do universo do hip-hop mainstream. Goyard representa o artista que atinge o sucesso absoluto, navegando por um mundo repleto de luxúria, ostentação e poder, onde a fama e a fortuna são vistas como a consagração definitiva. As faixas dessa primeira seção mergulham nas tentações e prazeres do estrelato ao explorarem a grandiosidade do reconhecimento público, a adulação dos fãs, as riquezas acumuladas e a sensação intoxicante de estar no topo da indústria. Ao mesmo tempo, Guevara tece reflexões sobre o deslumbramento e a superficialidade que muitas vezes acompanham esse tipo de trajetória e sugere que a glória do sucesso podem ser tão efêmera quanto sedutora.

No entanto, a segunda parte do álbum toma um rumo inesperado e mais sombrio, trazendo um forte contraste com a euforia inicial. O foco passa a ser as experiências trágicas e os desafios devastadores enfrentados por Goyard no auge de sua carreira. Aqui Guevara destrói a ilusão do sucesso absoluto, expondo as consequências da fama desenfreada e a verdadeira face da indústria musical. As músicas exploram temas como a exploração dos artistas, a pressão insustentável para se manter relevante, o isolamento emocional, os abusos e as traições que podem acompanhar o estrelato. Desta forma, a narrativa se desenrola como uma advertência contra as armadilhas do show business e entrega uma visão crítica e realista sobre o custo psicológico e humano da busca incessante pelo topo.

Musicalmente o disco se destaca pela sua abordagem que equilibra experimentalismo e tradicionalismo dentro do hip-hop. O álbum percorre uma ampla gama de estilos ao incorporar elementos clássicos do boom bap, recortes sofisticados de soul e jazz, sintetizadores futuristas, batidas quebradas e texturas eletrônicas vanguardistas, resultando em uma estética sônica que consegue transitar com fluidez entre o passado, o presente e o futuro do gênero. 

Guevara demonstrou seu domínio tanto como compositor quanto produtor ao escrever e produzir a maior parte de Goyard Ibn Said, entregando ao álbum sua visão artística completa, porém, ele contou com a colaboração de produtores e artistas que o ajudaram a expandir ainda mais a sonoridade do projeto. Nomes como purdyflacks, LILITH e DJ Haram que trouxeram suas próprias influências e estilos, enriquecendo ainda mais a produção.

Sobre os artistas que aparecem em algumas faixas, Yoko McThuggin, com seu estilo agressivo contribui para a faixa "Monta Ellis", trazendo uma energia intensa e visceral. FARO, em "Yamean", entrega uma performance introspectiva que se completa com o tom melancólico da música. ELUCID, em "Bystander Effect", traz uma abordagem lírica contemplativa, enquanto McKinley Dixon, que é conhecido por seu lirismo e estilo técnico, acrescenta sua marca em "The Apple That Scarcely Fell", com uma entrega carregada de emoção.

Além das contribuições vocais e de produção, o álbum conta com o toque especial de alguns instrumentistas que foram essenciais para que fosse possível chegar na sonoridade do projeto. Seb Zel, com sua guitarra em “L4” adiciona camadas de textura meditativas, enquanto Desmond Teague, com seus instrumentos de sopro, cria uma atmosfera sonora única, trazendo uma elegância e uma sofisticação quase jazzística em "The Apple That Scarcely Fell", que se entrelaça com os elementos do hip-hop, na mesma faixa ainda tem a participação de Annie Elise, com seu trabalho de cordas. 

A combinação desses talentos que acompanharam Guevara, conferiu a Goyard Ibn Said uma grande versatilidade sonora e permitiu que o álbum fosse além das fronteiras tradicionais do hip-hop. O resultado é um disco musicalmente rico e repleto de texturas que proporcionam uma experiência imersiva para o ouvinte.

NOTA: 8,1/10

Gênero: Hip Hop

Faixas:

1. Introduction To Act 1 - 1:29
2. The Old Guard Is Dead - 3:04
3. Leprosy - 3:25
4. 3400 - 3:22
5. I Gazed Upon The Trap With Ambition - 3:59
6. Monta Ellis (feat Yoko McThuggin) - 3:12
7. Yamean (feat FARO) - 3:25
8. Camera Shy - 3:06
9. Introduction To Act 2 - 0:55
10. Bystander Effect (feat ELUCID) - 3:05
11. 4L - 4:06
12. The Apple That Scarcely Fell (feat McKinley Dixon) - 3:55
13. Branded - 3:25
14. Critical Acclaim - 3:46
15. Shaitan's Spiderweb - 4:42
16. You Can Skip This Part - 4:49

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming, Bandcamp e Youtube

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Anna B Savage - You & i are Earth (2025)


Anna B Savage sempre esteve cercada por um ambiente que a estimulou culturalmente, dito isso, é óbvio que não ia demorar muito para que a arte não apenas começasse a fazer parte, mas também começasse a desempenhar um papel fundamental em sua vida. Afinal, vindo de uma família que sempre valorizou a expressão artística, ela cresceu absorvendo diversas influências que a levaram a desenvolver sua própria identidade musical.

Intimista e confessional são duas palavras chaves para que possamos definir a suas músicas, assim como a maneira delicada e intensa que são abordados temas como, por exemplo, o amor em suas diversas formas, a dor da perda e as complexidades da condição humana. Liricamente costuma permear por uma honestidade crua e uma vulnerabilidade clara, o que acaba criando uma conexão genuína com quem as ouve. Através de suas melodias e de sua voz expressiva, Anna constrói um universo sonoro particular. 

You & I Are Earth é o seu terceiro álbum de estúdio, um trabalho que captura um momento de transformação marcado por um processo de cura e uma redescoberta curiosa do mundo ao seu redor. A própria cantora descreve o disco como "uma carta de amor a um homem e à Irlanda", evidenciando a carga emocional e as conexões profundas que abraçam o trabalho como um todo. Musicalmente, o álbum se destaca por uma sonoridade íntima e expansiva, na qual elementos naturais como o som das ondas do mar se entrelaçam de uma maneira orgânica por meio, por exemplo, de arranjos de cordas, criando desta forma uma atmosfera imersiva. 

"Talk to Me", a ideia de uma sensação de recuperação emocional, amor e conexão profunda com outra pessoa é exposta dentro de uma música de tonalidade introspectiva, envolvente e guiada por uma melodia delicada e contemplativa. Com uma interpretação sincera e sonoridade minimalista, a peça convida o ouvinte a se perder na profundidade da sua mensagem e beleza melancólica de suas notas. “Lighthouse” é uma balada intimista que se destaca por sua delicadeza e atmosfera acolhedora. O arranjo instrumental é centrado em um violão e alguns toques pontuais e sutis de piano que adicionam profundidade e emoção. Os vocais de Savage reforçam o tom melancólico e esperançoso da canção, conduzindo a narrativa de forma envolvente. A letra faz uso da poderosa metáfora de um farol, representando um amor que serve como guia e porto seguro. “Donegal” é uma comovente homenagem à região irlandesa de mesmo nome, local esse onde Savage passou parte de sua vida. O arranjo contém melodias envolventes que transportam o ouvinte para as paisagens de Donegal e cria uma experiência emotiva e nostálgica.

“Big & Wild” é uma faixa curta, porém intensa, que encapsula muito bem a energia da natureza. Com uma sonoridade que transmite uma sensação de liberdade, a peça evoca imagens de vastas paisagens. Os arranjos podem sugerir uma conexão visceral com o mundo natural, enquanto a interpretação vocal reforça a sensação de entrega e aventura. “Mo Cheol Thú” é construída sobre a suavidade de um violão dedilhado, enquanto a melodia se desenvolve gradualmente e ganha mais corpo com uma onda envolvente de teclados que intensifica sua carga sentimental. A voz de Savege carrega ternura e sinceridade, transmitindo a euforia e a vulnerabilidade de estar apaixonada, criando dessa forma uma experiência musical imersiva e cativante.

“Incertus” é um interlúdio com menos de um minuto de duração e funciona como uma ponte atmosférica que cria uma transição sutil entre duas faixas. “I Reach for You in My Sleep”, com uma instrumentação contida, deixa espaço para os vocais de Savage que se destacam com sua intensidade emocional crua e sincera. Através dessa simplicidade sonora e a ideia lírica que traz uma sensação de intimidade profunda e doçura no relacionamento, a música se torna um espelho de emoções profundas. 

“Agnes” conta com a participação da cantoira, Anna Mieke. Se trata de um pop folk onde o violão estabelece a base melódica, enquanto bateria e baixo são executados de uma maneira envolvente, criando dessa forma um ótimo movimento e fluidez. Os trabalho de clarinetes são reconfortantes e acrescentam um toque etéreo e atmosférico à canção. Musicalmente combina bastante com a narrativa de temas de natureza, transformação, misticismo e o desejo de conexão com forças além da compreensão humana.

"You & I Are Earth", a faixa título também é aquele momento em que Anna sintetiza todos os temas centrais do álbum e explora a interconexão entre indivíduos e a Terra de forma poética. A melodia e os arranjos se desenvolvem por meio de harmonias expansivas, texturas orgânicas e ritmos sutis que remetem à respiração do próprio mundo natural. A belíssima instrumentação conta com elementos acústicos e atmosféricos. "The Rest of Our Lives" é a última faixa do disco e serve como um desfecho contemplativo carregado de emoção, do tipo que reflete sobre um relacionamento que se desenvolveu de forma lenta e cuidadosa ao longo dos anos. Com uma melodia suave a música consegue equilibrar nostalgia e otimismo ao capturar a incerteza do amanhã ao mesmo tempo em que abraça a beleza da jornada. 

Por meio de You & I Are Earth, Anna B Savage consegue unir letras introspectivas a arranjos musicais que evocam tanto paisagens emocionais quanto físicas, criando desta forma uma experiência auditiva imersiva. Suas composições exploram a dualidade, como, por exemplo, entre fragilidade e força ou intimidade e vastidão, resultando em músicas que não apenas narram sentimentos, mas os fazem ressoar no ouvinte. A instrumentação é rica em detalhes e texturas orgânicas que ampliam a sensação de conexão com a natureza e com o próprio eu. Resumindo, o álbum se desdobra como um espaço de contemplação e descoberta, onde cada faixa funciona como um fragmento de um universo maior e repleto de emoção, além de vulnerabilidade e pertencimento.

NOTA: 7,8/10

Gênero: Folk de Câmara

Faixas:

1. Talk to Me - 3:34
2. Lighthouse - 4:14
3. Donegal - 3:24
4. Big & Wild - 1:36
5. Mo cheol Thú - 4:50
6. Incertus - 0:56
7. I reach for you in my Sleep - 3:42
8. Agnes (ft. Anna Mieke) - 3:47
9. You & i are Earth - 2:56
10. The rest of our Lives - 2:23

Onde Ouvir: Plataformas d Streaming, Bandcamp e Youtube

60 anos de: A Love Supreme - John Coltrane (1965)

                        Com certeza que A Love Supreme é um dos álbuns mais brilhantes da história do jazz instrumental e ao mesmo tempo uma...