Ommadawn é um disco extremamente especial e que sintetiza e supera tudo o que Mike Oldfield aprendeu em seus dois trabalhos anteriores. Elaborado com uma precisão dramática, comovente e perfeitamente executado, o disco é uma obra-prima. Eu me lembro de sentir uma certa vergonha por conta de em algum momento da minha vida, ter me referido a Oldfield apenas como "o cara da música do Exorcista," como se sua obra se resumisse apenas a isso. Quanta inocência da minha parte, ou seria uma blasfêmia? Não sei. O que sei é que com o passar dos anos, não apenas passei a ouvir sua música, mas também a estudá-la profundamente.
É quase impossível de acreditar que Ommadawn foi gravado em 1975. A produção é incrivelmente limpa e a ideia por trás do álbum é revolucionária na maneira como mistura música pop, clássica, progressiva e étnica, utilizando uma infinidade de instrumentos que resultam em uma música soberba. Quando uso o termo "revolucionário," pode parecer um exagero para alguns, mas não há como negar que se trata, no mínimo, de uma obra corajosa. Embora a ideia de uma única faixa ocupando cada lado do disco não fosse inédita, Oldfield nunca foi tão preciso e impactante como aqui.
Vale destacar também, que Ommadawn reflete um período bastante introspectivo da vida de Mike, período esse, marcado por fortes emoções e experiências pessoais transformadoras. Após o sucesso dos seus dois primeiros álbuns, Oldfield enfrentava pressões criativas e desafios pessoais, incluindo o luto pela perda de sua mãe. Essa carga emocional se faz presente em cada nota do álbum, conferindo-lhe uma profundidade que ressoa de forma poderosa com os ouvintes.
“Ommadawn Part 1” começa com um tom hipnótico, misterioso e relaxante, onde baixo, guitarra, koto e órgão grave se entrelaçam suavemente com um coro contido. A atmosfera criada é perfeita para uma meditação. A música progride com uma perfeição absoluta em termos de ritmo, estrutura e musicalidade, até que com o som maciço de um gongo, a melodia enigmática ganha vida. A influência da música barroca (Bach e Vivaldi) é evidente, e embora Oldfield já tenha mostrado que não precisa de outros músicos para criar grandes discos, aqui a inclusão de mais integrantes deu uma nova e melhorada roupagem às suas composições.
Por volta da metade da música, ela parece "reiniciar" com uma nova corrente suave, evocando uma sensação de serenidade e vibrando com uma nova reviravolta que muda o tema principal. A guitarra que entra nesse momento é estupenda, transbordando energia e trazendo uma sensação edificante ao ouvinte. As percussões africanas lideram a música em direção a um final repleto de incertezas, apenas para sermos novamente abraçados pelo tema inicial com batidas de baixo, coros desesperados, guitarra e sinos tubulares. Uma música sensacional que sozinha já valeria o álbum, mas ainda há mais.
“Ommadawn Part 2” não fica atrás em genialidade, embora muitos a considerem um pouco abaixo da primeira parte. O início é maravilhoso, com guitarras elétricas que vibram em uníssono, criando uma sensação de peso insondável. A música é suavemente cortada por flautas, que a fazem desaparecer lentamente, até que violões começam a vagar livremente. Um dos mais belos trabalhos de gaita de foles que já ouvi fortalece a música com longas e preguiçosas notas antes de direcioná-la para um caminho mais melancólico, onde o violão acústico e a flauta estabelecem um clima mais introspectivo. Novamente, uma bateria africana enérgica dá ritmo à música, servindo de base para um excelente solo de guitarra.
Após alguns segundos de silêncio, surge uma melodia encantadora de violão acompanhada pela voz frágil de Oldfield cantando os primeiros versos de “On Horseback” (faixa incluída no final de "Ommadawn Part 2"), onde ele relata sobre coisas simples do cotidiano que gosta de fazer, como beber cerveja, comer queijo, sentir o cheiro de uma brisa ou andar a cavalo. Essa parte possui um sentimento quase infantil, especialmente pelo coro de crianças que lidera o último refrão. Embora o final seja menos impactante do que o restante do álbum, a paixão com que Oldfield conduz os instrumentos continua impressionante.
Ommadawn não é apenas um disco que encanta, mas também toca profundamente o coração. Se a ideia é ouvir uma música progressiva sinfônica e que combine melodias envolventes com uma atmosfera serena e carregada de emoção, não há álbum mais recomendável. Mais do que uma obra-prima, Ommadawn tem o poder de se transformar em algo ainda mais especial com o tempo. Com suas camadas sonoras e a conexão emocional que cria, o disco se torna um verdadeiro membro da família, sempre presente nas trilhas da vida cotidiana do ouvinte. É sem dúvida o ápice da genialidade de Mike Oldfield e uma obra que não apenas define sua carreira, mas também deixa uma marca permanente na história da música progressiva.
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