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quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

50 anos de: Voyage of the Acolyte - Steve Hackett (1975)


Steve Hackett é o tipo de guitarrista que cativa qualquer apreciador de um toque refinado e elegante nas seis cordas. Mais do que ser lembrado – ou, para alguns, conhecido – como o ex-guitarrista do Genesis, Hackett merece ser celebrado por sua brilhante trajetória solo que foi construída sobre uma base de qualidade excepcional e versatilidade impressionante.

Sem jamais se prender a rótulos, o guitarrista transita com naturalidade por uma ampla gama de estilos sempre imprimindo sua identidade única independentemente do gênero que explora. Seja no jazz-rock, pop, rock progressivo, música brasileira, blues, violão clássico ou até na música erudita, sua abordagem é sempre sofisticada e inspiradora. No fim das contas, para Steve Hackett pouco importa o território musical que escolhe desbravar — onde quer que esteja, sua música floresce de uma forma inconfundível.

Voyage of the Acolyte não é apenas o seu primeiro álbum solo, mas também a primeira incursão solo de qualquer membro do Genesis. Com um forte caráter progressivo e experimental, o disco revela a identidade musical distinta de Hackett, tanto como compositor quanto como guitarrista. Suas faixas exploram uma rica tapeçaria sonora, entrelaçando várias de suas influências.

Durante sua passagem pelo Genesis, já se destacava por uma abordagem inovadora da guitarra ao introduzir técnicas como tapping e volume swells, além do uso sofisticado de texturas e efeitos que ampliavam a paisagem sonora da banda. No entanto, dentro do grupo ele frequentemente sentia que suas ideias não eram plenamente aproveitadas. Foi nesse contexto que Voyage of the Acolyte surgiu como uma oportunidade para Hackett expandir sua criatividade sem amarras, permitindo-lhe desenvolver sua própria visão musical de maneira mais ampla e pessoal. O álbum não apenas reafirmou seu talento como compositor e instrumentista, mas também marcou o início de uma jornada solo repleta de experimentação e originalidade.

A principal inspiração por trás de Voyage of the Acolyte veio do tarô, uma influência que se manifesta tanto nas letras quanto na atmosfera envolvente das músicas. Cada faixa remete a um arcano maior e tece uma narrativa simbólica que reflete a jornada humana através do mistério e da descoberta. Essa temática mística permeia toda a obra, o que lhe dá um caráter quase ritualístico. O próprio título do álbum evoca a trajetória do "acólito", um aprendiz espiritual que busca sabedoria e evolução por meio das experiências da vida.

A sonoridade de Voyage of the Acolyte é uma fusão de rock progressivo com influências sinfônicas e folk que são enriquecidas por toques eletrônicos e elementos experimentais. O álbum destaca-se por sua construção cuidadosa de texturas sonoras, sendo esse, um dos maiores trunfos de Steve Hackett tanto como guitarrista quanto como arranjador. Sua abordagem sonora perfeita incorporou efeitos atmosféricos e gravações em camadas, além de uma estética quase cinematográfica na estrutura das faixas. 

O álbum se inicia com "Ace of Wands", uma faixa eletrizante que prende o ouvinte desde os primeiros segundos e marca a sua identidade com uma guitarra vibrante e complexa – um verdadeiro cartão de visitas do estilo de Hackett. A energia da música é impulsionada pela excelente bateria de Phil Collins, enquanto John Hackett adiciona uma camada extra de intensidade com sua flauta executada de maneira agressiva e dinâmica. Uma composição repleta de mudanças de andamento, soar de sinos e passagens de guitarra que transitam entre o virtuosismo e a sensibilidade melódica. Mais do que apenas a faixa de abertura, "Ace of Wands" também marca o início de uma carreira brilhante e duradoura. 

"Hands of the Priestess Part I" é uma peça etérea e envolvente conduzida por uma flauta delicada e expressiva que imprime uma atmosfera encantadora. A guitarra de Hackett com seu tom misterioso e levemente assombrado evoca paisagens sonoras que ele ajudou a construir durante sua passagem pelo Genesis, porém, aqui ganha uma nova abordagem ao soar como algo mais pessoal e expansivo. O resultado é uma composição de beleza hipnótica com cada nota parecendo estar flutuando no.

"A Tower Struck Down" é uma das faixas mais intensas e sombrias do álbum, mergulhando em uma sonoridade agressiva quase caótica. A poderosa base rítmica é ancorada por Mike Rutherford, que entrega uma linha de baixo robusta e sendo reforçada ainda mais pela presença de Percy Jones em um segundo baixo. Hackett explora tons ásperos e atmosferas densas enquanto a faixa evolui de forma imprevisível. Em determinado momento, a composição se transforma em uma paisagem sonora inquietante, onde camadas de guitarras se fundem a uma multidão gritando, explosões e efeitos abstratos, criando um verdadeiro clímax de tensão. 

"Hands of the Priestess Part II" aprofunda ainda mais a atmosfera etérea introduzida na primeira parte ao trazer uma sonoridade ainda mais suave e delicada. Os teclados adicionam uma sutil luminosidade ao tom melancólico e sombrio do álbum, equilibrando mistério e tristeza sem dissipar completamente a aura introspectiva da composição. Embora tenha somente pouco mais de um minuto e meio, funciona como um complemento perfeito para a Parte I, encerrando-a com elegância e coesão. 

"The Hermit" traz uma sonoridade suave e melancólica, mas com algo que era novidade na época, o vocal de Steve Hackett, que inclusive se revela surpreendentemente competente e emotivo, acrescentando uma camada adicional de profundidade à música. Uma voz sutil e introspectiva que se se entrelaça perfeitamente com a guitarra que continua a impressionar com sua habilidade única de transmitir vários sentimentos. O título da faixa evoca a imagem de um eremita solitário, enquanto a música com sua atmosfera etérea remete a um tipo de conto de fadas sombrio. É possível perceber algo no som dessa peça que antecipa a essência de A Trick of the Tail.

"Star of Sirius" é uma das faixas mais complexas e dinâmicas do disco, começando de forma suave, mas logo se transformando em uma montanha-russa sonora. Os vocais de Phil Collins brilham como nunca, talvez porque ele esteja se expressando de forma autêntica, sem tentar emular o estilo de Peter Gabriel. Sua performance aqui é íntima e poderosa e traz uma nova camada de humanidade à música. A transição para um estilo mais jazzy e violento é abrupta, marcada pelo teclado que prepara o terreno para uma nova direção sonora. A guitarra de Hackett que constrói uma parede de som imponente encaixa-se perfeitamente nesse novo contexto ao criar uma tensão crescente. A faixa então se desvia novamente, agora adotando uma sonoridade mais suave onde os teclados e flautas se combinam de maneira extremamente harmoniosa antes de nos levar a uma complexa seção de bateria, Mellotron e mais uma vez a guitarra de Steve.

"The Lovers" é uma breve e suave faixa acústica que oferece um merecido descanso após a complexidade vibrante de "Star of Sirius". Com sua simplicidade delicada a música cria um espaço de reflexão e proporciona um alívio de intensidade e que serve como uma ponte emocional que prepara o terreno para o clímax final do álbum

O álbum se encerra de maneira apoteótica com "Shadow of the Hierophant", um verdadeiro épico que é a culminação de tudo o que foi construído ao longo do disco. A música começa suavemente com os vocais etéreos e cristalinos de Sally Oldfield que conduz o ouvinte por variações musicais intrincadas, ora delicadas e ora poderosas. Sua voz com sua qualidade única cria uma jornada sensorial que se desenrola de maneira quase mágica.

À medida que a música avança, uma passagem instrumental dramática interrompe a voz de Sally pela primeira vez, oferecendo um contraste que prepara o terreno para as próximas transformações. Essa alternância entre os vocais e a instrumentação se repete em momentos distintos, até que em um pico quase psicodélico, toda a banda se junta em uma explosão sonora que leva a música a um novo nível de intensidade.

O ponto de virada chega quando Steve Hackett introduz uma mudança de andamento, conduzindo a faixa para sua seção final, onde a complexidade se desdobra em uma sequência de atmosferas que se alternam e se complementam de uma maneira impecável. O clímax do álbum é de uma dramaticidade impressionante, com a guitarra de Hackett e seu estilo único se misturando ao Mellotron, sinos e o restante da banda, criando desta forma um dos finais de música mais emotivamente espetaculares que conheço. 

Ao longo de cinco décadas de uma prolífica carreira solo, Steve Hackett presenteou o universo da música com inúmeros álbuns de altíssima qualidade, cada um refletindo sua criatividade inesgotável e sua habilidade ímpar como compositor e instrumentista. No entanto, nenhum deles conseguiu alcançar a perfeição singular de seu álbum de estreia. Voyage of the Acolyte permanece uma obra-prima insuperável, um trabalho que transcende o tempo e continua a ser uma referência dentro do rock progressivo. Sua musicalidade é refinada, requintada e de extremo bom gosto, sendo executada por músicos excepcionais que ajudaram a dar vida a uma visão artística única.

Mais do que apenas um grande disco, Voyage of the Acolyte representa um marco na história do gênero, sendo também um testemunho do talento de Hackett e de sua capacidade de criar atmosferas sonoras envolventes e repletas de emoção. Um trabalho magistral do mais prolífico músico solo a emergir de uma das maiores bandas de rock progressivo dos anos 70.

NOTA: 10/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. Ace of Wands - 5:23
2. Hands of the Priestess, Part I - 3:28
3. A Tower Struck Down - 4:53
4. Hands of the Priestess, Part II - 1:31
5. The Hermit - 4:49
6. Star of Sirius - 7:08
7. The Lovers - 1:50
8. Shadow of the Hierophant - 11:44

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

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