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domingo, 26 de janeiro de 2025

50 anos de: Heaven and Hell - Vangelis (1975)

                                       

A primeira metade da década de 1970 foi um período de reinvenção para Vangelis, que já havia conquistado reconhecimento na Europa como membro fundador da banda de rock progressivo Aphrodite’s Child. No entanto, enquanto o grupo alcançava sucesso especialmente com o álbum 666, Vangelis sentia a necessidade de explorar territórios musicais mais experimentais e pessoais. Em busca de se consolidar como compositor solo e um dos pioneiros na música eletrônica, ele mergulhou em uma jornada de autodescoberta artística.

Em busca de um espaço criativo que atendesse às suas necessidades, montou um estúdio próprio em Londres. Este era um período em que os estúdios domésticos ainda eram relativamente raros, mas ele queria um espaço onde pudesse trabalhar sem interrupções, experimentando e gravando no seu próprio ritmo. O estúdio permitiu que ele integrasse sua paixão por instrumentos eletrônicos, como os sintetizadores analógicos com técnicas de gravação modernas. Ele tinha um interesse profundo em criar texturas e paisagens sonoras únicas e seu estúdio foi projetado para possibilitar essa experimentação.

Antes de iniciar a gravação de Heaven and Hell, vale destacar também que o músico já havia lançado alguns álbuns que destacavam sua evolução criativa e sua capacidade de explorar territórios sonoros singulares. Entre esses trabalhos, Earth de 1973 se destaca como um marco inicial de sua carreira solo, misturando elementos eletrônicos com influências do rock progressivo e música folclórica grega. Este álbum revelou sua habilidade em criar texturas sonoras únicas - ainda que dentro de uma estrutura mais convencional.

Além disso, as trilhas sonoras que Vangelis compôs para filmes como L'Apocalypse des Animaux de 1973 demonstraram sua inclinação para composições profundamente atmosféricas e emocionalmente ressonantes. Esse tipo de trilha que é completamente caracterizada por minimalismo e um lirismo intimista, oferecia um vislumbre da sensibilidade artística de Vangelis, que já começava a ultrapassar os limites da música de sua época, sendo cruciais para o desenvolvimento de sua abordagem sonora e serviram como um prelúdio para a grandiosidade e ambição que ele apresentaria em Heaven and Hell. 

Heaven and Hell é amplamente considerado uma das obras mais icônicas de Vangelis e que também marcou a sua estreia pela gravadora RCA Records. É celebrado por sua abordagem corajosa e inovadora que combina com maestria a música eletrônica, coros celestiais e elementos orquestrais em uma fusão sonora que transcende gêneros. Em meio a atmosferas grandiosas e passagens emocionantes o disco não apenas definiu um marco na carreira do músico, mas também influenciou profundamente o panorama da música progressiva e eletrônica da época, consolidando o status de Vangelis como um dos grandes visionários musicais do século XX.

O título Heaven and Hell evoca imediatamente um disco conceitual com fio condutor em uma dualidade explorada que pode ser interpretada sob várias perspectivas, como, por exemplo, uma meditação sobre o bem e o mal ou o um conflito entre o humano e o divino. Musicalmente essa luta é expressa em contrastes marcantes por meio de momentos de serenidade celestial que se alternam com passagens mais intensas, sombrias e até mesmo quase caóticas.

O álbum é dividido em duas partes compostas por várias seções ou movimentos, mas essa divisão tem pouca relevância no contexto geral. Como em qualquer álbum conceitual, a verdadeira essência de Heaven and Hell está na narrativa completa e na jornada sonora que se desdobra do início ao fim. A separação em duas partes, na verdade é apenas uma consequência das limitações físicas do formato de vinil da época, já que o álbum foi concebido como uma obra contínua e projetada para ser apreciada integralmente e sem interrupções. Essa abordagem reforça a visão artística de Vangelis que prioriza a coesão e a experiência imersiva sobre qualquer fragmentação formal.

Heaven and Hell Parte 1 inicia com "Baccanale", que começa suavemente com teclados serenos. Porém, em um piscar de olhos a música se transforma em uma explosão de complexidade com teclados intensos e um coro imponente que invade o ouvinte como uma batalha sonora. A dinâmica entre a calma inicial e a energia avassaladora que se segue cria uma sensação quase de guerra interna, como se estivéssemos assistindo a um confronto entre o bem e o mal. É uma introdução impressionante que capta a grandiosidade e a tensão que marcarão todo o álbum.

"Symphony to the Powers B" é o segundo movimento e a seção central da primeira metade do disco. A peça começa com uma introdução de piano, mas logo é invadida por coros vigorosos cantados em um latim imponente e que conferem uma sensação de solenidade, quase como uma cerimônia religiosa. À medida que a música avança, um contraponto fascinante emerge entre os coros masculinos e femininos, evocando um confronto épico entre forças angelicais e demoníacas, sendo tudo sustentado por um piano grandioso e orquestral. A influência de Carmina Burana é evidente, com sua dramaticidade e riqueza sonora. Por vários minutos o piano e o coro se entrelaçam de maneira envolvente e criam uma tensão crescente e imersiva, que envolve o ouvinte até o auge do movimento.

"Movimento 3" começa de forma quase ininterrupta com uma seção melódica encantadora que une piano, sintetizadores e coro. Essa peça se tornou famosa por ser o tema de abertura do programa Cosmos, apresentado por Carl Sagan em 1980. Sua beleza transcende a simples descrição, criando uma atmosfera de serenidade e mistério, onde cada nota parece evocar a vastidão do universo. É uma composição extraordinariamente tocante, mas sendo ao mesmo tempo grandiosa e íntima.

A Parte 1 do álbum culmina com "So Long Ago, So Clear", uma música que serve como um alívio suave após a intensidade e agressividade instrumental da seção anterior. Os vocais de Jon Anderson, que faz uma participação especial, oferecem uma doçura e tranquilidade inesperadas ao criar uma atmosfera relaxante e serena. Sua voz flui com delicadeza e proporciona um contraste perfeito que encerra esta primeira parte de maneira acolhedora e introspectiva.

A Parte 2  mergulha ainda mais fundo no místico, começando com "Intestinal Bat", uma peça marcada por uma coleção de sons estranhos, campainhas e harpas que criam uma atmosfera inquietante e sobrenatural. A introdução é misteriosa e até assustadora, como se nos conduzissem por um caminho obscuro e desconhecido. O clímax dessa jornada chega com um violino distorcido que rompe com a tensão crescente de maneira abrupta, deixando o ouvinte com uma sensação de desconcerto e fascínio.

"Needles and Bones" apresenta uma excelente seção rítmica, mas mantendo o ar de mistério que permeia o álbum. A influência grega é clara, com acordes, teclas e sinos que evocam uma sensação de ritual e ancestralidade. A música constrói uma tensão crescente e serve como uma preparação perfeita para a passagem mais chocante do disco e que se aproxima com um impacto inesperado. A mistura de elementos tradicionais e eletrônicos cria um ambiente único, onde o antigo e o moderno se entrelaçam de maneira inquietante.

"12 O'Clock" começa com um coro semi-gregoriano envolto por uma percussão sutil e quase imperceptível, enquanto sons fantasmagóricos cercam o ouvinte criando uma calma tensa e inquietante. Essa tranquilidade é interrompida por explosões musicais caóticas, súbitas e curtas que desaparecem tão rapidamente quanto surgem, abrindo espaço para o coro místico retornar. No entanto, dessa vez ele prepara o terreno para a entrada de Vana Varoutis, cuja voz imaculada soa como a de um anjo. A intensidade de sua interpretação é tão pura e sublime que pode invocar algumas lágrimas. Sua voz, crescente e envolvente vai se expandindo a cada minuto até se unir a um coro masculino que gradualmente cobre sua melodia e a faz desaparecer de forma progressiva. A combinação é arrebatadora e cria uma sensação de profundidade emocional e uma atmosfera verdadeiramente arrepiante.

Quando o ouvinte acredita que a calmaria chegou, "Aries" aparece com força total, oferecendo uma seção explosiva acompanhada por uma orquestra completa, cuja execução como em todo o álbum é assinada por Vangelis. Esta passagem é esplêndida e poderosa, soando como uma verdadeira catarse musical que marca o ápice da intensidade. No entanto, logo após essa explosão, a música se suaviza e dar lugar a "A Way", uma seção melódica serena e delicada que serve como um fechamento de disco que é tranquilo e agradável. O contraste entre a energia avassaladora do início e a suavidade do final cria um efeito emocional profundo, encerrando o álbum de forma harmoniosa e contemplativa, como se estivesse completando um ciclo de tensão e liberação.

No geral, Heaven and Hell é um disco em que catalogá-lo em um único gênero ou vertente é um desafio, pois o álbum transita com maestria entre diversas influências. Às vezes ele soa sinfônico, outras vezes atmosférico com um toque marcante da música grega. No entanto, independentemente de qualquer classificação, é inegável de que se trata de uma obra 100% progressiva. Uma experiência sonora estranha e bela de um nível que nunca mais foi atingido por Vangelis, embora o compositor, claro, tenha outros trabalhos excelentes em sua carreira. Heaven and Hell é uma peça extremamente única e bem desenvolvida, além de musicalmente rica. Uma verdadeira obra-prima que se firma como essencial em qualquer coleção de música progressiva.

NOTA: 10/10

Gênero: Música Ambiente, Música Eletrônica, Progressivo Eletrônico

Faixas:

1. Heaven and Hell, Part One - (17:00):
a) Bacchanale - 4:40
b) Symphony to the Powers B (Movements 1 and 2) - 8:18
c) Movement 3 - 4:03
2. So Long Ago, So Clear - 4:58 
3. Heaven and Hell, Part Two (21:16):
a) Intestinal Bat - 3:18
b) Needles and Bones - 3:22
c) 12 O'Clock - 8:48
d) Aries - 2:05
e) A Way - 3:45

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