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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

70 anos de: Sarah Vaughan - Sarah Vaughan (aka Sarah Vaughan with Clifford) (1955)

                                       

Indiscutivelmente uma das maiores vozes do jazz vocal da história, Sarah Vaughan, “The Divine One”, como foi apelidada pelo DJ de Chicago Dave Garroway, ou “Sassy”, foi uma verdadeira força da música, de alcance expressivo e um timbre que era puro encanto, além de fazer com que cada nota proferida soasse impregnada de emoção, técnica e tivesse a capacidade de encantar de uma forma única aquele que se deixasse levar pelas suas ondas sônicas únicas. 

Sarah Vaughan cresceu imersa em um ambiente profundamente religioso, onde a música sempre acabou desempenhando um papel muito importante em sua vida – seja ela comunitária ou familiar. Desta forma, foi no coral da igreja que ela encontrou não apenas um espaço para obviamente expressar sua fé, mas também viu ali uma chance de ouro para externar seus talentos vocais. Era fato que sua habilidade iria chamar a atenção. Foi então que com uma base sólida de técnica e paixão, Sarah deu um passo crucial em sua jornada musical ao participar do concurso de talentos do Apollo Theater, em Nova York. Sua vitória não apenas confirmou seu potencial artístico, mas também marcou o início de uma trajetória brilhante no universo jazzístico. 

Teve a sua estreia discográfica por meio do seu disco autointitulado, em 1950, um registro excelente, mas foi seu outro autointitulado, também conhecido como Sarah Vaughan with Clifford Brown de 1955  que sua primeira obra-prima conheceu a luz do dia. Naquela época Sarah já era uma figura estabelecida no cenário musical e conhecida por sua versatilidade vocal, alcance impressionante e habilidade de infundir emoção em cada frase. Vale destacar que a sua parceria com o brilhante trompetista Clifford Brown estava em seu auge, porém, infelizmente Brown morreria no ano seguinte com apenas 25 anos em um acidente de carro, tragédia que também vitimaria o pianista Richie Powell de 24 anos e Nancy – esposa de Powell – de apenas 19 anos. 

O disco é um verdadeiro desfile de canções populares que Vaughan parece querer pegá-las para si devido interpretações que transcendem o habitual, oferecendo assim, uma experiência musical que é ao mesmo tempo rica e cativante, além de única, transformando cada música em uma expressão profundamente pessoal e emocional. Vaughan se alterna de maneira impressionante entre tons graves que ressoam com profundidade e riqueza que evocam força e intensidade, e notas agudas que são límpidas, suaves e etéreas, transmitindo uma delicadeza que toca o coração. 

Muitas vezes a voz de Vaughan era comparada a um “instrumento” devido a sua capacidade incrível em manipular timbres, dinâmicas e nuances. Nesse cenário, encontrou um parceiro perfeito em Clifford Brown, que devido a sua abordagem lírica e inventiva no trompete, não apenas complementa, mas incrivelmente amplifica a experiência sonora de ouvir o disco. Uma interação que parece ser telepática entre Vaughan e Brown, entrega por vários momentos um diálogo impecável na estrutura das músicas.

Mas além dos dois astros principais, que emprestam seu brilho inconfundível ao álbum, é fundamental destacar os músicos excepcionais que também contribuíram para tornar essa obra uma experiência musical tão cativante e memorável. Paul Quinichette, no saxofone tenor, traz uma sonoridade calorosa e expressiva. Herbie Mann, na flauta, adiciona leveza e um toque melódico refinado, enquanto Jimmy Jones, no piano, oferece harmonias elegantes e solos brilhantes mesmo que discretos. No baixo, Joe Benjamin fornece uma base rítmica sólida e envolvente, e Roy Haynes, na bateria, conduz cada faixa com precisão, criando texturas dinâmicas que sustentam o conjunto. 

"Lullaby of Birdland", um dos standards mais conhecidos do jazz abre o disco de uma maneira brilhante. Entre linhas vibrantes e outras mais contidas, Vaughan entrega uma performance vocal que anuncia a grandeza do que será encontrado em todo o disco. A interação entre os músicos é impecável, com Clifford se destacando por meio de linhas de trompete que transcendem o papel de um simples acompanhamento, oferecendo “comentários” melódicos que dialogam de maneira perfeita com a voz de Vaughan que faz uma ode ao poder do amor como uma forma transformadora. 

"April in Paris" é uma balada encantadora e introspectiva. Vaughan canta com bastante suavidade, destacando a melodia lírica e transmitindo uma sensação de nostalgia e melancolia enquanto sua letra é centrada na beleza sem igual que é a de Paris durante a primavera. O trompete de Brown, mais uma vez adiciona uma dimensão onírica e etérea, enquanto o acompanhamento discreto do piano e da seção rítmica cria um pano de fundo delicado e envolvente. Essa combinação de vocalidade expressiva, instrumentalização refinada e arranjos sensíveis faz de "April in Paris" uma experiência sonora memorável. 

“He’s My Guy” é uma canção mais descontraída e otimista, onde Vaughan entrega uma interpretação calorosa e genuína, além de cheia de uma naturalidade encantadora. O swing é envolvente e se torna impossível de ignorar. Essa combinação de ritmo irresistível e a química perfeita entre os músicos cria o clima certo para uma confissão apaixonada de um amor incondicional e devotado, daqueles que se mantém vivo mesmo diante das imperfeições. 

Imagina o que é ser a faixa mais emocionante de um dos álbuns mais emocionalmente fortes que existe? Pois é exatamente o que “Jim" significa, uma balada que Vaughan canta com uma profundidade emocional avassaladora, explorando as nuances das letras com maestria. É extremamente comovente quando, por exemplo, Sarah menciona sobre Jim não se esforçar para fazer coisas simples como trazer flores ou expressar seus sentimentos, o que a faz questionar o motivo de ainda ser tão apaixonada por ele. Enquanto isso, a maneira como Brown utiliza seu trompete para transmitir essa melancolia adiciona uma complexidade ao arranjo, fazendo com que a canção se torne ainda mais tocante. 

"You’re Not The Kind" é uma peça delicada e introspectiva, com Sarah transformando cada palavra em uma expressão emocional tocante. Sua voz com seu controle impecável, flui suavemente e captura a essência da melodia, conferindo uma profundidade única à canção. A maneira como ela transmite a mensagem de um conflito interno e a complexidade de um relacionamento entre duas pessoas que apesar de terem uma conexão, não possuem personalidades que se alinham, é de uma delicadeza incrível e que eleva ainda mais o impacto emocional da música.

"Embraceable You" é um clássico atemporal de Gershwin, sendo transformada por Vaughan em um momento de pura intimidade e emoção. Sua voz suave e envolvente dá vida a cada palavra com uma sensibilidade única, tornando sua interpretação profundamente pessoal e cativante. A forma que ela carrega a melodia com tanta precisão e cuidado destaca a beleza da letra, proporcionando ao ouvinte uma sensação de proximidade e conexão emocional. O arranjo é simples, mas muito eficaz, criando um espaço onde a voz de Vaughan pode brilhar sem distrações, permitindo que a melodia se desenrole de maneira natural e fluida, cantando sobre um amor caloroso, apaixonado e com uma forte ênfase na conexão física e emocional entre duas pessoas. 

“I’M Glad There Is You” é uma balada romântica e intimista, apresentando uma enorme demonstração de controle vocal e habilidade em transmitir emoções profundas em que Sarah canta com muita suavidade. Aqui o trompete de Clifford brilha, criando um solo melódico e lírico que complementa perfeitamente a voz de Vaughan. A faixa é um exemplo brilhante de como a melodia e a interpretação vocal podem se entrelaçar de forma arrebatadora, enquanto isso, liricamente entrega um eu lírico com um sentimento de gratidão e alegria pela pessoa amada, reconhecendo o impacto positivo que ela tem em sua vida. 

"September Song" é uma das músicas mais comoventes e profundas do disco. Vaughan fornece uma interpretação que mescla doses iguais de delicadeza e intensidade, como se estivesse compartilhando uma história pessoal repleta de sentimentos complexos. O trompete, mesmo em sua simplicidade aparente, adiciona à música uma profundidade rara, enquanto a base rítmica por meio da sua delicadeza e presença discreta é essencial para a construção de uma forte base emocional em que Sarah canta sobre o ciclo do ano, e conforme chega em setembro, o tempo parece passar mais rápido à medida que os dias se encurtam e o clima de outono toma conta. 

“It’s Crazy” interrompe delicadamente o fluxo das baladas no álbum, trazendo uma energia revigorante e oferecendo um encerramento vibrante para o disco. Novamente, a interpretação de Sarah é irrepreensível e carregada uma energia contagiante que se encaixa perfeitamente com a letra que expressa de forma leve e exuberante os sentimentos de alguém profundamente apaixonado, disposto a agir de maneira tola por amor. Vale a mencionar também a intensidade do trompete de Brown, cujo solo é sensacional. A seção rítmica, composta de piano e baixo, é crucial para a construção dessa atmosfera elétrica e edificante. Uma faixa que sem perder a sofisticação característica de Vaughan, infunde uma dose de alegria e celebração, marcando o final do álbum com uma nota de entusiasmo e brilho.

Este disco é uma obra-prima em todos os sentidos, conduzindo o ouvinte por uma jornada musical rica e profundamente envolvente. Com a liderança instrumental de Clifford Brown, cada faixa revela um novo panorama emocional, alternando de maneira fluida e magistral entre momentos de melancolia e passagens vibrantes de alegria. A transição entre essas nuances emocionais é sempre feita com muita elegância para que cada faixa se mostre clara dentro de um todo cuidadosamente arquitetado.

No centro dessa experiência, Sarah Vaughan transcende limites técnicos para se tornar um verdadeiro veículo de expressão. Sua interpretação carrega uma autenticidade rara, permitindo que o ouvinte sinta cada emoção com a maior intensidade possível. Seja em baladas introspectivas ou em arranjos mais animados, Vaughan demonstra uma versatilidade que é ao mesmo tempo impressionante e comovente, solidificando seu lugar como uma das maiores intérpretes da história da música. Um disco que não apenas reflete sua habilidade vocal, mas também seu profundo entendimento de como contar histórias por meio da música, sendo uma experiência que cativa, emociona e possui a capacidade de permanecer com o ouvinte muito tempo depois que a última nota ecoa.

Por fim, indispensável não apenas para os fãs de jazz vocal, mas também para qualquer amante da música que valorize a expressão artística em sua forma mais pura e envolvente. Uma verdadeira aula de interpretação e um convite para se perder em melodias que são atemporais.

NOTA: 10/10

Gênero: Jazz Vocal

Faixas:

1. Lullaby of Birdland – 3:58
2. April in Paris – 6:16
3. He’s My Guy – 4:10
4. Jim – 5:49
5. You’re Not The Kind – 4:41
6. Embraceable You – 4:48
7. I’M Glad There Is You – 5:08
8. September Song – 5:43
9. It’s Crazy – 4:55

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

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