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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Richard Wileman - The Forked Road (2024)

 

Qualquer um familiarizado com o trabalho de Richard Wileman como líder e principal compositor da banda Karda Estra já pode imaginar o tipo de música que encontrará em seus discos solo. No entanto, afastado de sua banda, Wileman revela um lado ainda mais sombrio e taciturno. The Forked Road, seu quarto trabalho solo, exemplifica essa faceta com maestria. Nas palavras do próprio Wileman, The Forked Road é um álbum conceitual de terror progressivo/folk, enraizado no condado de Wiltshire, que narra o encontro de um cometa com a Terra, resultando em uma convergência de mortos-vivos em direção a The Ridgeway.

Apesar de eu considerar Wileman um nome essencial na cena progressiva do século XXI, entendo o motivo pelo qual ele nunca recebeu o reconhecimento merecido. Sua música frequentemente transcende os limites do gênero, mergulhando em terrenos que lembram a música clássica moderna, ao mesmo tempo em que evoca sonoridades de trilhas sonoras de filmes de terror, criando uma atmosfera visual e inquietante. Outro ponto a ser considerado, é sua rara presença em apresentações ao vivo, principalmente devido ao uso de uma ampla variedade de instrumentos. No entanto, essa mesma diversidade instrumental é o que torna seus discos tão fascinantes.

A faixa de abertura, “The Last Book of English Magic,” já estabelece o humor do álbum. Trata-se de uma peça instrumental repleta de beleza, mas que também carrega uma melancolia densa e uma angústia sútil. O dedilhado delicado do violão e as linhas etéreas da harpa são os destaques e criam uma atmosfera envolvente e encantadora. “Butterfly” segue com violões cativantes que logo são acompanhados pelos vocais melódicos de Richard. Os teclados intrigantes e a guitarra que aparece pontualmente acrescentam camadas à composição.

A faixa-título, “The Forked Road,” é mais uma peça instrumental que exala mistério e enigma, como se fosse a trilha sonora de um filme de terror inexistente. Novamente, o trabalho de harpa de Chantelle Smith se destaca, às vezes soando ligeiramente dissonante, mas sempre dentro da proposta atmosférica do álbum. Em “Children of the Sun,” Wileman é acompanhado por Amy Fry nos refrãos. É uma música predominantemente conduzida por voz e violão, com sintetizadores e guitarra aparecendo timidamente. Possui um clima onírico e delirante, descrevendo a vida daqueles que já partiram e estão prestes a reencarnar.

Em “Avenue & Circle,” Chantelle Smith retorna com sua harpa hipnotizante, sendo acompanhando por violão e os teclados atmosféricos de Wileman. A música é tocada de forma espaçada e com batidas que surgem de maneira quase acidental, sendo isso, algo que proporciona ao ouvinte uma experiência sônica assombrosa, sendo um dos momentos mais sombrios do disco. “Comet VS The Earth” traz de volta os vocais celestiais de Amy Fry, além de sua performance no clarinete. Mais uma vez o violão e o teclado de Wileman criam uma harmonia enigmática e marcam um ponto crucial no conceito do álbum, onde os mortos são gradualmente trazidos de volta à vida pela passagem do cometa.

“Old Bones”, com seus duetos vocais masculinos e femininos, possui uma fluidez que remete às bandas de rock psicodélico dos anos 60 - embora, neste disco, a faixa pareça um pouco deslocada. Além de tocar harpa, Chantelle assume os vocais que acompanham Richard. “Spectres of the Ridgeway,” é a faixa mais extensa do álbum. Além da presença de Amy Fry no saxofone e Chantelle Smith na harpa, Richard - no violão e teclado - convida sua filha, Sienna Wileman, para adicionar efeitos sonoros. O resultado é a melhor composição do álbum: uma peça de vanguarda impressionante, transcendental, sinistra e assustadora, que cresce no ouvinte conforme se desenvolve.

“The Inevitable Beast” destaca-se pelas ondas sombrias dos teclados atmosféricos e pelos vocais dramáticos de Wileman. A forma como a música se desenvolve faz o ouvinte questionar se a criatura mencionada é apenas simbólica, sugerindo que no final, tudo deu certo para a humanidade ou se é necessário ouvir o álbum mais uma vez para captar algum detalhe perdido na trama. “The First Book of English Magic” encerra o disco refletindo o outro lado da peça que o iniciou. Com menos de dois minutos é a menor faixa do álbum, apresentando um belo trabalho de violão e teclas harmoniosas que evocam o clima taciturno que permeou todo o disco. 

The Forked Road é daqueles discos que fluem tão bem que ouvi-lo repetidamente por várias horas não seria um problema. No entanto, há um outro lado dessa experiência: sua música pode não ser fácil de absorver caso o ouvinte busque algo diferente de um álbum repleto de paisagens sonoras cinematográficas, construídas por desenvolvimentos melódicos muitas vezes mórbidos e silêncios sepulcrais.

NOTA: 8/10

Gênero: Clássico Moderno, Folk de Câmara

Faixas:

1. The Last Book of English Magic - 4:59
2. Butterfly - 3:42
3. The Forked Road - 2:30
4. Children of the Sun - 5:12
5. Avenue & Circle - 3:26
6. Comet vs the Earth - 3:08
7. Old Bones - 2:50
8. Spectres of the Ridgeway - 6:46
9. The Inevitable Beast - 5:47
10. The First Book of English Magic - 1:56

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

domingo, 5 de janeiro de 2025

Cen-ProjekT - The Story of Enja (2024)

 

Cen-ProjekT é um projeto notável no universo do rock progressivo sinfônico e que é liderado pelo multi-instrumentista alemão Chris Engels. O que torna o Cen-ProjekT particularmente distinto é a habilidade de Engels em mesclar a complexidade intrincada e a grandiosidade expansiva características do rock progressivo com elementos enriquecedores da música sinfônica. Essa combinação, não apenas preserva, mas eleva o espírito sônico e resulta em composições que são ao mesmo tempo ricas e multifacetadas dentro do panorama musical contemporâneo do gênero.

Chris Engels é um músico versátil e com um profundo amor pelo rock progressivo e pela música clássica. Suas influências incluem bandas clássicas como Genesis, Yes, King Crimson e Pink Floyd, bem como compositores eruditos como Johann Sebastian Bach e Ludwig van Beethoven. Esta combinação de influências é evidente nas composições que frequentemente apresentam mudanças complexas de tempo, harmonias sofisticadas e arranjos elaborados que conseguem capturar até mesmo sensações cinematográficas.

The Story of Enja, seu 11º disco em uma carreira discográfica de apenas cinco anos até o momento, é um álbum conceitual em que o seu fio condutor está no título. A jornada de amadurecimento e heroísmo de Enja, uma elfa que através de várias aventuras e desafios, se torna uma figura emblemática e protetora de Elfland. Cada capítulo do álbum destaca uma fase diferente de sua jornada, desde seu nascimento em um ambiente mágico até sua ascensão como uma heroína venerada.

Este é o tipo de disco que ganha força e profundidade quando apreciado como um todo, em vez de ser analisado apenas faixa a faixa. Cada faixa contribui para a construção da narrativa geral e da atmosfera pretendida por Chris Engels, criando uma experiência que é mais do que apenas a soma das suas partes. A progressão das músicas e a forma como se interligam ajudam a criar uma jornada musical épica. Portanto, para aproveitar plenamente a visão criativa e a profundidade do álbum, é essencial ouvir as faixas na ordem em que foram projetadas. Assim os ouvintes podem vivenciar a obra como um todo e imergir na complexidade que Engels imaginou e criou.

O álbum é uma tapeçaria musical rica, diversificada e repleta de ganchos sinfônicos, além de passagens delicadas e momentos explosivos que mantêm o ouvinte envolvido do início ao fim. Cada faixa é muito bem construída para oferecer uma variedade de texturas e dinâmicas que refletem a habilidade de Engels como multi-instrumentista. Esses elementos sinfônicos são entrelaçados com segmentos sutis que proporcionam momentos de introspecção e suavidade e que criam um contraste interessante e enriquecedor dentro do álbum.

O disco oferece uma variedade impressionante de momentos intensos e emocionais combinados com uma musicalidade intrincada e sofisticada. Os momentos intensos são marcados por arranjos poderosos e dinâmicas grandiosas, o que gera uma sensação de drama e urgência. Esses picos emocionais são contrastados por passagens mais suaves e atmosféricas. A musicalidade intrincada é um dos pontos fortes do álbum, com estruturas complexas e detalhes minuciosos que revelam novas camadas a cada audição.

O álbum também se destaca por sua habilidade em manter uma coerência musical constante e alinhada com a narrativa que atravessa cada faixa. A coerência musical é evidente na maneira como os arranjos, melodias e dinâmicas são integrados às vozes. Cada faixa contribui para a construção do enredo, com a música evoluindo de forma orgânica para acompanhar o desenvolvimento da história. Enquanto isso as transições entre diferentes seções e momentos são feitas com destreza e garantem que a experiência auditiva se mantenha fluida e coesa.

Por fim, exceto pelo baixo e as partes com vocais femininos, Chris é o responsável por tocar todos os instrumentos do disco, mostrando um talento incrível. Mas The Story of Enja não é apenas uma demonstração do talento individual de Engels, mas também uma grande experiência musical. A narrativa envolvente e as composições intrincadas se unem muito bem para criar uma obra que é ao mesmo tempo coesa e multifacetada.

NOTA: 9/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. Intro - 2:04
2. Born in the Enchanted Forest - 4:05
3. Encounter with the Elven Prince - 5:52
4. The Quest for the Crystal Flower - 6:10
5. The Rescue of the Moonstone Dragon - 5:07
6. The Dance of the Will-o´-the-Wisps - 5:37
7. The Guardian of the Ancient Oak - 6:07
8. The Melody of the River Sprite - 6:12
9. The Guidance of the Ancient Druid - 5:42
10. The Triumph of the Elven Heroine - 6:35

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

50 anos de: Minas - Milton Nascimento (1975)

 

Sempre que penso em um disco fora de série do Milton Nascimento, o primeiro nome que me vem à mente é Clube da Esquina. Não é por acaso, afinal, eu o considero uma das maiores obras-primas da história da música mundial. No entanto, acredito ser igualmente importante lembrar de outros álbuns emblemáticos do nosso querido Bituca. Minas, por exemplo, que em 2025 fará 50 anos é um desses trabalhos que merecem destaque, pois também é uma joia lapidada durante o período mais criativo de sua carreira e que é carregada de sutilezas e profundidade do começo ao fim. 

Reduzir a música de um álbum como Minas a apenas MPB seria um simplismo que não faz jus à sua grandeza. Sua estrutura intrincada revela de forma notável a fusão de elementos de jazz com toques sutis e preciosos de rock progressivo. Essa combinação não é apenas um detalhe técnico, mas evidencia o coração pulsante do disco e que é um dos seus maiores trunfos. A genialidade de Minas reside no equilíbrio magistral entre o experimental e o popular, criando uma sonoridade que transcende rótulos e se afirma como uma expressão musical bastante original. 

Cada arranjo foi tratado com um cuidado quase artesanal, com Wagner Tiso assumindo a direção musical em grande parte do disco. No entanto, o brilho do álbum também se deve à presença de uma constelação de talentos que participaram do projeto. Nomes como Beto Guedes, Nelson Angelo, Toninho Horta, Paulinho Braga, Novelli, entre outros, contribuíram para dar vida a Minas, com cada um deixando sua marca.

Liricamente, as músicas exploram uma rica variedade de temas, transitando com delicadeza entre reflexões sobre liberdade, amor, meio ambiente, nostalgia e os conflitos intrínsecos à condição humana. Porém, é a profundidade emocional e a sensibilidade poética com que abordam questões universais que merecem o maior destaque no disco. Muitas vezes, as letras combinam metáforas bem elaboradas até mesmo com críticas sociais sutis.

A faixa título inicia o disco é uma verdadeira joia que é enriquecida por belíssimas harmonias vocais que parecem flutuar sobre cada nota. Introspectiva, ela se destaca por sua de música regionalista e sutis acenos ao jazz, tendo como resultado uma peça de atmosfera delicada e ao mesmo tempo profundamente evocativa. “Fé Cega, Faca Amolada” possui um ritmo vibrante e contagiante que contrasta com a profundidade reflexiva de sua letra. A canção aborda os percalços da vida e traz uma crítica incisiva à falta de discernimento e aos perigos de seguir caminhos sem reflexão. A interpretação de Milton parece carregar uma sensação de urgência, como se fosse um chamado à consciência. Musicalmente se destaca pela densidade de sua sonoridade que flerta com um peso incomum dentro do contexto do álbum, sendo sustentada por uma melodia rica em camadas. 

“Beijo Partido”, por meio de uma melodia suave e delicada, Milton canta em um tom melancólico o sentimento agridoce de perda e despedida. Os arranjos capturam com perfeição a dualidade entre a beleza e a tristeza de um amor não correspondido. A letra na interpretação de Milton tornando-se um dos momentos mais emotivos do álbum. Uma prova do talento de um dos maiores - para mim o maior - nomes da música brasileira. “Saudade dos Aviões da Panair” é daquelas canções que despertam um profundo sentimento de nostalgia. Com uma atmosfera simples e aconchegante a peça parece abraçar o ouvinte com um sentimento de doçura e melancolia. Sua melodia delicada e despretensiosa intensifica essa conexão emocional.

“Gran Circo” é uma das faixas mais experimentais do disco. As vocalizações de Fafá de Belém pontuando momentos cruciais da música são um deleite que tem a capacidade de adicionar uma enorme camada de beleza e intensidade emocional e que eleva a composição. Uma música que transita brilhantemente entre o incomum e o sublime. “Ponte de Areia” é uma música que encanta com sua melodia suave e cativante. Sua harmonia plácida envolve delicadamente o ouvinte, enquanto o vocal emotivo de Milton imprime vida por meio de um lirismo tocante. No geral é uma exímia combinação entre simplicidade e profundidade e que mais uma vez prova o talento incomparável de Milton em transformar emoções em música.

“Transtevere”, quando as influências jazzísticas e a música brasileiro se abraçam e “dançam” em perfeita harmonia. A faixa exala uma atmosfera envolvente de mistério. Seu nome é uma referência ao icônico bairro de Roma. Tudo isso acaba tendo a capacidade de transmitir imagens de um encontro cultural onde tradição e modernidade se encontram em um delicado equilíbrio sonoro. “Idolatrada” direciona o disco para um clima mais edificante por meio de um ritmo mais animado, cheio de energia e repleto de vitalidade. Enquanto isso, oferece uma reflexão sobre a idealização do ídolo e traz uma perspectiva mais humana e realista. 

“Leila (Venha Ser Feliz)” traz uma melodia divertida e apaixonante e que se expande de forma envolvente à medida que a música se desenvolve. A letra, embora simples e repetitiva – centrada basicamente no título –, consegue transmitir uma sensação de acolhimento e convite. Mesmo em sua simplicidade, a canção é uma celebração calorosa da felicidade e do afeto. “Paula e Bebeto”, graciosa e melancólica narra a história de um casal que vive um amor alvoroçado. Os arranjos são muito bem trabalhados e criam uma atmosfera de introspecção e reflexão. É uma peça que fala de amor em sua forma mais humana, enquanto entrelaça beleza e fragilidade.

“Simples” encerra o álbum brilhantemente, proporcionando um desfecho pacífico, sereno e profundamente significativo. Com uma sonoridade serena e intimista, a música celebra a beleza que reside nas pequenas coisas da vida. Soa como um convite ao ouvinte para desacelerar o ritmo e apreciar a simplicidade, fechando o disco com uma mensagem de quietude e contemplação.

Enfim, Minas é um disco de sensibilidade rara, onde cada detalhe foi extremamente pensado para criar uma obra atemporal. Nada está fora do lugar e cada elemento se complementa de maneira harmoniosa e que resulta em um dos trabalhos mais emblemáticos de toda a MPB. Mais do que uma simples coleção de músicas, o álbum se apresenta como uma experiência quase terapêutica, além de uma jornada contemplativa e acolhedora que envolve o ouvinte de forma sublime. Minas é a arte da música em seu estado mais puro.

NOTA: 10/10

Gênero: MPB, Jazz

Faixas:

1. Minas - 2:31
2. Fé Cega, Faca Amolada - 4:37
3. Beijo Perdido - 3:49
4. Saudade dos Aviões do Panair - 4:28
5. Gran Circo - 4:09
6. Ponta de Areia - 4:32
7. Transtevere - 4:25
8. Idolatrada - 4:45
9.. Leila (Venha Ser Feliz) - 3:29
10. Paula e Bebeto) - 2:15
11. Simples - 2:11

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

sábado, 4 de janeiro de 2025

Opeth - The Last Will and Testament (2024)

 

Sou um grande admirador do Opeth, mas preciso admitir que seu novo álbum, The Last Will and Testament, me pegou completamente desprevenido. Sem eu saber de qualquer anúncio prévio, acordei e me deparei com uma enxurrada de críticas nos principais sites de rock progressivo. Para minha surpresa, quase todas eram unânimes em elogiar a obra, destacando sua qualidade e criatividade. É impressionante como o Opeth consegue se reinventar com tamanha maestria, mantendo a essência que o torna tão especial para os fãs.

Este novo trabalho é um disco conceitual, algo que a banda não explorava desde Still Life em 1999. Segundo Mikael Åkerfeldt, houve uma influência na série Succession para criar a narrativa que gira em torno de uma reunião familiar convocada para a leitura do testamento de um patriarca, revelando os dramas humanos que emergem nesse cenário. Conflitos, segredos e tensões ganham destaque enquanto os personagens lidam com questões como ganância, traição, amor, perda e os efeitos das escolhas passadas. Mais do que dividir bens materiais, a leitura do testamento traz à tona verdades sombrias, alterando para sempre as relações entre os presentes. Diferente de histórias com temas sobrenaturais ou fantasiosos, o álbum aposta em um enfoque mais realista.

Musicalmente, The Last Will and Testament é um equilíbrio perfeito entre as fases mais pesadas e progressivas do Opeth. O álbum conta ainda com colaborações notáveis, como a participação de Ian Anderson, cuja narração e solos de flauta enriquecem a experiência. Cada faixa reflete o estado emocional ou o avanço da trama, tornando o álbum quase uma experiência cinematográfica. O epílogo, com um toque agridoce, sugere que, apesar das revelações, nem todos os personagens encontram redenção ou paz, deixando no ar uma sensação de inquietação que ressoa com a profundidade da história.

"§1", a introdução é marcada por um clima sombrio, com o som de passos ecoando e o ranger de uma porta que se abre, prenunciando o que está por vir. A música emerge de uma atmosfera sombria e misteriosa, crescendo rapidamente para uma explosão frenética de riffs pesados e uma densidade sonora impressionante. Mikael Åkerfeldt entrega vocais cheios de fúria e intensidade, mas também há momentos de contraste, onde linhas melódicas se entrelaçam, criando uma rica tapeçaria emocional. Um excelente começo de disco. 

"§2" inicia de forma delicada, com suaves notas de órgão que evocam uma atmosfera introspectiva e quase etérea. No entanto, essa calmaria logo dá lugar a uma sonoridade poderosa e impactante, onde a banda, mais uma vez, demonstra sua habilidade em transitar entre passagens melódicas e explosões de agressividade. Enriquecendo ainda mais a composição, narrativas faladas por Ian Anderson e Joey Tempest (Europe) adicionam camadas de profundidade, elevando a experiência sonora.

"§3", desde os primeiros acordes, a faixa apresenta uma abordagem distinta em relação às anteriores, evidenciando uma estrutura marcada pela alternância de tempos e assinaturas rítmicas intrigantes. Em contraste com a intensidade que permeia as anteriores, esta se destaca por uma fluidez mais contida e uma construção mais suave. À medida que a composição avança, parece se encaminhar para um desfecho climático, mas surpreende ao escalar em intensidade apenas para encerrar de maneira abrupta.

"§4", esta faixa abriga um dos meus riffs de guitarra favoritos de todo o disco e que ganha ainda mais força ao ser sustentado por uma seção rítmica sólida e teclados muito bem construídos. O interlúdio é um momento de brilhantismo a parte, começando de forma suave, com uma atmosfera sombria e conduzido pela flauta mágica de Ian Anderson. Aos poucos, essa passagem cresce em intensidade, atingindo um ápice de explosividade e agressividade antes de retornar de maneira magistral ao riff de guitarra inicial, encerrando assim, o ciclo com perfeição. 

"§5", preserva a intensa carga emocional de sua antecessora, mas segue por caminhos próprios, onde a banda demonstra uma clara ousadia técnica. Aqui, a banda brinca com assinaturas rítmicas mais complexas e mudanças abruptas de tonalidade que pode querer surpreender o ouvinte a cada instante. O destaque vai para os solos intrincados e as passagens instrumentais elaboradas, que parecem intencionalmente projetadas para evocar uma sensação de caos controlado e imprevisibilidade, mantendo o ouvinte sempre à beira da expectativa.

"§6", inicialmente envolve o ouvinte com suavidade. No entanto, essa calmaria inicial logo dá lugar a uma explosão de intensidade, uma transição que impressiona pela sua força. A energia do som se combina com uma melodia que pulsa, quase como se estivesse viva. Conforme a música avança, os vocais se erguem com uma intensidade avassaladora, rasgando a paisagem sonora como o impacto devastador de uma colisão de dois trens. Destaque também paras os dois solos viscerais da música, um de sintetizador e o outro de guitarra, mostrando que o talento de Åkerfeldt não está apenas em seu canto. 

"§7" novamente exemplifica com elegância a capacidade da banda de alternar entre atmosferas etéreas, quase oníricas, e explosões intensas de agressividade, criando uma experiência imprevisível. Åkerfeldt conduz essa jornada com maestria, sua voz oscilando entre guturais potentes, que evocam força e brutalidade, e passagens limpas, carregadas de uma emoção tocante que revela uma dualidade fascinante. O ápice da faixa chega com o tema final, marcado por uma linha sinfônica grandiosa, que não apenas amplifica o drama, mas também encerra a peça com um grande peso emocional.

"A Story Never Told" encerra o disco de forma marcante, com uma abordagem introspectiva que evoca as atmosferas de trabalhos como Pale Communion e Sorceress. Os arranjos cristalinos e bem construídos criam uma sensação de transparência e leveza, enquanto os vocais limpos e emotivos de Åkerfeldt adicionam um toque de vulnerabilidade à música. A faixa se desenrola como uma contemplação final, envolvendo o ouvinte em um clima de reflexão e melancolia sutil. É um encerramento emocionante, que não apenas completa o álbum, mas também deixa uma impressão duradoura, permanecendo no ouvinte muito além de seus últimos acordes.

The Last Will and Testament é um exemplo sublime da fusão entre o peso visceral do metal e a complexidade envolvente do progressivo. As influências clássicas da banda se entrelaçam com excelentes experimentações, dando vida a um panorama sonoro que se desdobra de forma profundamente teatral e como a história pede. O álbum captura com perfeição tanto a brutalidade quanto a beleza e a sofisticação da narrativa que o conduz, equilibrando força crua e elegância melódica em um verdadeiro deleite auditivo. E o ouvinte? Ele é conduzido como parte integrante dessa experiência, imerso em cada detalhe emocional e técnico que permeia suas oito faixas, podendo absorver camadas de som e significado a cada nova audição.

NOTA: 10/10

Gênero: Metal Progressivo, Death Metal

Faixas:

1. §1 (6:11)
2. §2 (5:40)
3. §3 (5:11)
4. §4 (7:05)
5. §5 (7:35)
6. §6 (6:16)
7. §7 (6:28)
8. A Story Never Told (7:10)

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Caligula’s Horse - Charcoal Grace (2024)

 

Os australianos do Caligula’s Horse chegam ao seu sexto álbum, Charcoal Grace, trazendo uma surpresa não apenas em sua formação, mas também na profundidade emocional e musical do trabalho. Após a saída do guitarrista Adrian Goleby, a banda decidiu seguir como um quarteto, composto por Jim Grey nos vocais, Sam Vallen na guitarra, Dale Prinsse no baixo e Josh Griffin na bateria. A decisão de dispensar a guitarra rítmica, que esteve presente em todos os outros cinco álbuns da banda, marca uma nova fase criativa.

Embora Charcoal Grace só tenha sido lançado no final de janeiro de 2024, a sua concepção começou em 2020. Após o lançamento de Rise Radiant e a interrupção das turnês devido à pandemia, a banda aproveitou o tempo para compor. O resultado é um álbum que reflete uma profunda carga melancólica e introspectiva que captura o impacto da pandemia e oferece uma experiência rica em contrastes entre o obscuro e o luminoso. Como Jim Grey descreve, Charcoal Grace nasce da desesperança estática que a pandemia impôs à banda e ao mundo. É um álbum que avalia as experiências e resultados desse tempo, avançando em direção a um futuro mais esperançoso após lidar com o maior revés que a banda já experimentou.

A faixa de abertura, "The World Breathes with Me", com seus 10 minutos, estabelece o tom do álbum com uma introdução de guitarra sutil que evolui para uma explosão de peso, embora de maneira um pouco mais suave do que o habitual para o grupo. A música é marcada por constantes mudanças e um desenvolvimento cuidadoso dentro de uma paleta de cores que vai das mais sombrias às mais luminosas, sempre bem orientada. "Golem" é a faixa mais pesada e direta do álbum, com riffs impressionantes de guitarra e uma seção rítmica dinâmica. Os vocais são polidos nos versos e enérgicos nos refrãos, trazendo uma carga emotiva que convida o ouvinte a cantar junto.

O epicentro do álbum é a faixa título, dividida em quatro partes que totalizam cerca de 24 minutos de uma jornada musical impressionante. "Charcoal Grace I: Prey", a maior das partes, começa com arpejos de guitarra e evolui para uma atmosfera sólida e quase orquestral, com vocais melódicos que adicionam uma harmonia triste à peça. A música é uma combinação equilibrada de agressividade e suavidade, enquanto entrega um refrão cativante. "Charcoal Grace II: A World Without" inicia com arpejos de violão e gradualmente se constrói com notas de guitarra e bateria, criando um ambiente enérgico e sussurrante. O solo de guitarra é um destaque que eleva a faixa a um novo nível. 

"Charcoal Grace III: Vigil" é a parte mais suave do épico, começando com violão, voz e notas suaves de baixo. A música mantém uma constante emotiva e sutil, tanto instrumentalmente, quanto nos vocais, sem explodir como se poderia esperar. "Charcoal Grace IV: Give Me Hell" é a parte mais sombria e intensa, com uma seção rítmica pulsante, uma guitarra poderosa e vocais carregados de raiva, incluindo um solo de guitarra matador. As quatro partes de "Charcoal Grace" exploram a narrativa da convivência – ou a falta dela – entre uma criança e seu pai. A forma como a história se desenvolve é reminiscente dos trabalhos mais conceituais do Marillion, especialmente Brave, e a música reflete as variações emocionais da narrativa.

Após o épico, "Sails" oferece um respiro com sua beleza melancólica e dramática. É uma das baladas mais impressionantes da banda, destacando-se como talvez o momento mais emocionante do álbum. "The Stormchaser" é uma faixa equilibrada e um dos singles do álbum e que resume bem a essência da obra como um todo por meio de excelentes linhas vocais. O álbum se encerra com "Mute", uma faixa que demonstra a maestria vocal de Jim Grey e apresenta uma sonoridade enérgica e orquestral. Com 12 minutos de duração, a música oferece uma montanha-russa de emoções, desde momentos pesados até outros suaves e reflexivos. O uso de flauta, reminiscente do Genesis da era Peter Gabriel, é uma surpresa agradável e um detalhe que enriquece ainda mais o disco.

Charcoal Grace é um dos álbuns mais marcantes do catálogo do Caligula’s Horse, mostrando que mesmo dentro de um nicho onde inovações são cada vez mais raras, a banda consegue entregar um trabalho fresco e emocionante. Um álbum tocante, com músicas sagazes, bem construídas e verdadeiramente progressivas.

NOTA: 9.3/10

Gênero: Metal Progressivo

Faixas:

1. The World Breathes with Me - 10:00
2. Golem - 5:20
3. Charcoal Grace I: Prey - 7:48
4. Charcoal Grace II: A World Without - 6:48
5. Charcoal Grace III: Vigil - 3:22
6. Charcoal Grace IV: Give Me Hell - 6:13
7. Sails - 4:31
8. The Stormchaser - 5:57
9. Mute - 12:00

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Kacey Musgraves - Deeper Well (2024)

 

Kacey Musgraves é uma jovem cantora, compositora e musicista americana nascida em Golden no estado do Texas e que consegue captar bem a essência musical do seu estado para desenvolver sua música. Apesar do seu reconhecimento dentro da música country já ser algo consolidado, sua música também abraça outros gêneros como pop e folk e que a fazem soar mais distinta e menos genérica. Outro ponto interessante dentro da esfera musical de Musgraves são suas letras inteligentes que abordam temas como amor, vida no interior dos Estados Unidos e até mesmo algumas críticas sociais.

As influências de Kacey também é algo notável, variando nomes que vão desde os de ícones do country tradicional como Dolly Parton e Loretta Lynn, se estendendo até os contemporâneos como John Prine e Willie Nelson. Entretanto, para demonstrar uma compreensão e apreciação pela música em sua totalidade, ela ainda cita influência em nomes que vão além do country, como The Beach Boys, Beatles, Neil Young e Imogen Heap. Uma ampla gama de influências sempre refletiu de forma positiva na música de Musgraves.

Em Star-Crossed, disco anterior da artista, ela usa uma referência ao conceito de amores impossíveis e à tragédia que muitas vezes acompanha esses relacionamentos. Musgraves usa essa ideia como ponto de partida para explorar sua própria jornada pessoal de separação e cura após o fim de seu casamento com Ruston Kelly. Enquanto isso, embora a ideia em Deeper Well ainda possa mostrar Kacey aberta a mexer em seu passado, ela o faz sem ressentimentos, enquanto avança com uma abordagem mais cuidadosa do que antes.

"Cardinal" é a música de abertura. Mostra Kacey dentro de uma vibração que pode ser associada facilmente ao Fleetwood Mac, além disso, adiciona alguns ótimos floreios de violão folk onde ela consegue manter a peça envolvente do começo ao fim, enquanto canta sobre o encontro com um cardeal, pássaro símbolo de esperança e conforto em um momento de dor e incerteza, neste caso, o luto provocado pela perda de alguém.

"Deeper Well", um bonito trabalho de violão sob os vocais serenos de Kacey anunciam uma peça sobre o amadurecimento e crescimento pessoal, além de uma busca por uma vida mais autêntica e significativa enquanto se afasta de influências negativas. Ainda conta com algumas batidas pontuais, mas se mantem sempre dentro de uma abordagem pastoral. "Too Good to be True" mantém a sutileza deixada pela peça anterior, mas agora, com uma abordagem focada no quão difícil pode ser lidar com as emoções humanas quando o que está em jogo é o amor e a intimidade. A melodia é bonita, principalmente nas incursões de flauta – que poderia ter acontecido mais vezes - e fica mais forte a partir de sua segunda metade, mas sem perder a delicadeza padrão. A música também interpola com "Breathe (2AM)" de Anna Nalick.

"Moving Out" mostra Musgraves cantando sobre o quanto pode ser difícil partir e deixar um lar cheio de lembranças com altos e baixos, enquanto visa seguir em frente e criar novas lembranças em um outro lugar. "Giver / Taker" é bastante emocional e mostra como a pessoa pode ficar vulnerável ao amar intensamente, porém, sem a certeza de uma reciprocidade, gerando entre outros sentimentos, o da insegurança.

"Sway" tem um dos refrãos mais melancólicos e musicalmente agradáveis de todo o álbum. Violão, percussão e teclados paisagistas desenham um cenário musical sob uma mensagem onde é abordado a importância de se manter em equilíbrio, mesmo diante das dificuldades e assim se adaptando da melhor forma às circunstâncias. "Dinner with Friends", quem às vezes não se pega pensando em alguns momentos nostálgicos de sua vida? Kacey mostra que valorizar detalhes é um dos pontos que podem tornar a vida tão especial e o quanto é importante apreciar isso. O violão tem sua melodia enriquecida por algumas belas notas de piano, enquanto a seção rítmica desfila delicadamente e colocando um pouco mais de pulso à peça.

"Heart of the Woods", achei muito interessante Musgraves usar a natureza como um símbolo de comunidade e proteção mútua, e a partir disso, trazer isso como um exemplo a ser seguido na nossa sociedade, onde devemos cuidar uns dos outros. "Jade Green", por meio de uma levada quase dançante, liricamente Kacey canta um desejo de segurança emocional e proteção, usando a pulseira que dá nome à música.

"The Architect" é a canção country mais tradicional do álbum e também a minha preferida, sendo a única que não foi escrita pelo trio, Kacey, Daniel Tashian e Ian Fitchuk, sendo uma parceria da cantora com Shane McAnally e Josh Osborne. Ao querer "falar com o arquiteto", Kacey expressa uma busca humana por respostas sobre a origem da vida, o universo e o nosso propósito dentro dele.

"Lonely Millionaire", tem quem diga que a felicidade pode ser comprada com dinheiro ou bens materiais, mas há quem discorde disso, sendo essa segunda visão a explorada na música, com Musgraves cantando sobre a importância das conexões humanas e da simplicidade na busca pela felicidade. "Heaven Is", de maneira delicada, Kacey entrega uma visão sobre a verdadeira felicidade e o paraíso, onde ambos podem ser encontrados no amor compartilhado, nos olhares trocados e na conexão íntima com outro ser humano.

"Anime Eyes", imagine ser transportado para um mundo onde o amor é tão poderoso que transforma a maneira como se vê tudo, pois é, de uma forma doce e única, é exatamente isso que Kacey tenta passar. "Nothing to be Scared Of" é a faixa de encerramento, trazendo uma mensagem sobre encontrar conforto e força nos braços de alguém que você ama. Há uma sensação de vulnerabilidade e autenticidade nas palavras, especialmente na ideia de desfazer as bagagens juntos, compartilhando não apenas as alegrias, mas também os fardos da vida.

"Deeper Well" é um álbum que emana uma suavidade cativante, mas ao mesmo tempo, celebra a rica complexidade da experiência humana, oferecendo uma gama de ritmos refrescantes, como uma brisa suave em meio ao tumulto do cotidiano. Conforme o ouvinte vai explorando suas faixas, ele também é envolvido por uma sensação de familiaridade reconfortante, como se o disco despertasse um sentido onde sensações há muito tempo esquecidas passassem a ser redescobertas. Deeper Well é um álbum bastante intimista e que nos convida para um mergulho nas profundezas de nossa própria existência.

NOTA: 7.8/10

Gênero: Country, Pop, Folk

Faixas:

1. Cardinal - 3:11
2. Deeper Well - 3:52
3. Too Good to be True - 2:40
4. Moving Out - 3:09
5. Giver Taker - 3:10
6. Sway - 3:11
7. Dinner with Friends 02:57
8. Heart of the Woods - 2:16
9. Jade Green - 2:58
10. The Architect - 2:57
11. Lonely Millionaire - 3:06
12. Heaven Is - 2:44
13. Anime Eyes - 3:18
14. Nothing to be Scared Of - 2:33

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Magnum - Here Comes The Rain (2024)

 


Magnum é uma banda inglesa de hard rock que eu sempre achei bastante subestimada, pois ainda que em seus mais de duas dezenas de discos, nunca tenha lançado uma obra-prima, sempre entregou discos muito bons e acessíveis até para aqueles que não são muito chegado no gênero, pois eles também carregam uma clara atmosfera AOR, principalmente por conta da maioria dos seus refrãos, que considero impossível de ouvir e depois não se pegar cantarolando alguns deles mesmo sem perceber. Se existem alguns álbuns que foram feitos para serem apreciados de uma maneira despretensiosa, com certeza, Here Comes the Rain é um deles, não cobre ou espere tanto, apenas deixe as músicas fluírem e aproveite.

A banda foi fundada por Tony Clarkin (guitarra e único letrista) e Bob Catley (vocal), inclusive, são os únicos que estiveram em todos os álbuns da banda, porém, 5 dias antes do lançamento do disco, Clarkin faleceu pacificamente na sua casa devido a uma curta doença. Mas no mês anterior, a banda havia revelado que ele foi diagnosticado com uma rara doença na coluna, o que provocou o cancelamento da turnê da primavera de 2024. Além de Tony e Bob, o disco ainda conta com Rick Benton (teclados), Dennis Ward (baixo) e Lee Morris (bateria) para que seja criado uma coleção de peças sólidas, por meio de habilidades melódicas cativantes e instrumentações muito boas.

Dificilmente a banda vai seguir sem Clarkin, com isso e mesmo que não fosse a ideia inicial, Here Comes The Rain provavelmente será o epitáfio da banda, um último ato para que o guitarrista fizesse o que ele mais gostava na vida segundo palavras dele mesmo e que foram ditas antes do lançamento de Here Comes The Rain, No final das contas, não há nada mais satisfatório para um músico do que criar novas músicas que você realmente goste. Um fechar de cortinas digno e autêntico, assim como a banda sempre foi durante os seus 50 anos de carreira.

“Run into the Shadows” inicia o disco de uma forma que é impossível ser mais edificante, tem um excelente trabalho de guitarra, cozinha sólida e teclados muito bem harmoniosos, enquanto que os vocais de Bob entregam aquela vibração AOR característica de sempre. Uma pena não haver mais uma turnê, pois essa música certamente seria usada - brilhantemente - para abrir os concertos da banda. “Here Comes the Rain” esfria o álbum - não no sentido pejorativo, apenas é diferente da incendiária peça de abertura - por meio de uma batida mais leve, ótima linha de guitarra, teclado emulando cordas ao fundo e linhas adequadas de baixo.

“Some Kind of Treachery” é uma balada que pode soar até meio piegas, mas não vou deixar de admitir que apesar disso, atingiu em cheio o meu coração. Começa com algumas notas de piano antes de baixo e bateria ir lhe fazer companhia, então entra o refrão com a banda completa e eu me vejo em um show do grupo balançando as mãos com a lanterna do celular ligada - em outros tempos seria o meu isqueiro. Falando em refrão, com certeza é o destaque da peça, bastante forte e emocional, porém, vale mencionar também os teclados quase orquestrais mais perto do fim.

“After the Silence” começa por meio de um string que vai emergindo para em seguida toda a banda entrar, construindo uma melodia forte, então silencia para que os primeiros versos sejam cantados. Os momentos dos refrãos são os mais enérgicos, nesse momento, o teclado é quem mais se destaca. A faixa vai seguindo basicamente nessa mesma dinâmica - mas com os vocais ficando cada vez mais desenvoltos. 

“Blue Tango”, se eu tivesse que escolher alguma música em Here Comes The Rain para dizer qual a que mais representa o que a Magnum foi durante toda a sua carreira, com certeza seria essa. Mas apesar disso, é impossível não perceber alguns acenos ao southern rock moderno - talvez algo de Lynyrd Skynyrd pós acidente. O solo de órgão, apesar de bem curtinho, deixa a sua marca na peça, assim como o de guitarra que encerra a faixa.

“The Day He Lied!” possui um caráter sombrio que eu gosto bastante, excelentes linhas de guitarra, seção rítmica maciça e teclados que a preenchem por todos os lados, dando à peça uma espécie de ar épico. Uma pausa para algumas notas de piano para então regressar ao tema central foi uma ótima ideia. Por último, mas não menos importantes, os vocais soam com uma emoção verdadeira. “The Seventh Darkness”, logo em seus primeiros segundos a banda já surpreende com o uso de metais, cortesia das participações especiais de Chris 'BeeBe' Aldridge (saxofone) e Nick Dewhurst (trompete). Ainda sobre os metais, eles me lembram um pouco os usados em “Colours” do Phil Collins a partir do seu segundo terço de música. A guitarra é bastante densa e a cozinha é sólida, enquanto que os teclados de certa forma são mais apagados, já que o saxofone e trompete “roubaram” o seu lugar. Se tornou uma das minha músicas favoritas de todo o longo catálogo da banda.

“Broken City”, além de novamente haver uma entrega instrumental muito boa, acho justo mencionar a performance vocal que é a melhor de todo álbum. Inicia com algumas batidas que parecem vir de longe antes que teclados e vocais façam um duo que logo em seguida ganha a companhia do violão, enquanto isso, as notas de baixo são bem discretas e a bateria inexiste. “I Wanna Live”, começa por meio de algumas bonitas notas de piano, mas aos pouco, vai ganhando força até explodir com a entrada da bateria. Aqui a banda entrega aquele seu tipo de som característico, principalmente no refrão que tem o cheiro dos anos 80. Muito melódica, possui um excelente solo de guitarra e outro de teclado - que embora seja bem simples é muito adequado para a música.

“Borderline”, com os seus mais de 6 minutos é a maior música do disco e também a que o encerra. Não sei exatamente se foi intencional, mas essa peça combina não apenas com o final do álbum, mas serve também como um final de história - que imagino que vai acontecer - para a banda. Primeiramente, ela entrega algumas vocalizações influenciada pela música do oriente, mas depois tudo se direciona para um hard rock de batida média. Os vocais soam intensos, as linhas de guitarra - seja base ou solo - são muito boas, assim como as invertidas de teclado que ecoam por todas as paredes da faixa, enquanto que baixo e bateria constroem uma cozinha sólida. Tudo isso, unido ao piano extremamente elegante e que direciona o álbum para o seu final, faz com que Here Comes The Rain termine de forma melancólica, como quem de alguma forma que expor a tristeza de uma perda - embora Clarkin, obviamente, não tivesse morrido ainda durante a composição dela.

Infelizmente, a banda nunca teve o seu reconhecimento e valorização condizente com a oferta de bons discos que eles produziram durante os seus 50 anos de carreira. Para se ter uma ideia, eu dentro do meu anonimato possuo no meu Instagram basicamente o mesmo número de seguidores que a banda. Mas ainda bem que vivemos em uma época que a internet possibilita que justiça seja feita por aqueles que querem fazer justiça - mesmo que tardiamente -, pois todos os discos do grupo - de estúdio e ao vivo - estão em todas as plataformas de streaming, só chegar lá e maratonar todos eles. Resumindo, embora Here Comes The Rain não entregue nenhuma inovação ou qualquer tipo de surpresa - exceto pelo uso de metais em “The Seventh Darkness” -, novamente a banda mostra com muita competência em suas habilidades composicionais, bom gosto para melodias e consistência em todas as 10 faixas do álbum.

NOTA: 7.5/10

Gênero: Hard Rock

Faixas:

1. Run into the Shadows - 5:22
2. Here Comes the Rain - 4:37
3. Some Kind of Treachery - 4:32
4. After the Silence - 4:35
5. Blue Tango - 5:26
6. The Day He Lied - 4:35
7. The Seventh Darkness - 4:44
8. Broken City - 4:40
9. I Wanna Live - 5:29
10. Borderline - 6:16

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Ovrfwrd - There Are No Ordinary Moments (2024)

 

Quando se trata de álbuns instrumentais, sei que muitos ouvintes tendem a não se sentir atraídos, pelo menos é o que percebo ao tentar recomendar esse tipo de trabalho. Confesso que às vezes consigo entender essa resistência, pois um álbum composto exclusivamente por faixas instrumentais pode facilmente soar repetitivo e enfadonho — especialmente para quem não está habituado ao gênero. Nesse caso, o disco pode parecer desprovido de coesão, como se fosse apenas uma coleção de músicas superficiais, sem direção clara, dando a impressão de que os músicos estão vagando sem saber de onde vieram ou para onde vão. No entanto, com There Are No Ordinary Moments, esse não é o caso. Apesar de sua natureza instrumental, oferece uma audição envolvente, mesmo para aqueles menos familiarizados com a música progressiva.

Este é o quinto álbum da Ovrfwrd, que permanece sólida em sua formação, trazendo novamente os mesmos integrantes dos quatro trabalhos anteriores: Mark Ilaug (guitarra), Chris Malmgren (teclado), Kyle Lund (baixo) e Richard Davenport (bateria). Desde o álbum de estreia, percebe-se que a banda tem se tornado cada vez mais entrosada, tocando com uma naturalidade que reflete o impacto instrumental e a sofisticação composicional que já se tornaram características do grupo. Há uma evidente democracia na forma como cada membro contribui com o som, resultando em um disco coeso e bem equilibrado.

Uma das marcas registradas da Ovrfwrd, presente também neste álbum, é a habilidade de transformar desenvolvimentos simples, como os encontrados no blues rock, em peças intricadas que rivalizam com as melhores jam bands. Ao longo de seus quase 70 minutos e que são distribuídos em 10 faixas, a banda explora uma rica tapeçaria de sons e texturas que vão do progressivo clássico ao jazz fusion, passando pela música psicodélica. Cada peça é robusta, mantendo o ouvinte engajado do início ao fim.

A faixa de abertura, “Red Blanket,” começa com uma forte marcação da seção rítmica e uma flauta delicadamente pontuada — executada no teclado. O que surpreende é a linha de trompete que surge logo em seguida, um toque inesperado e brilhante, embora não haja ninguém creditado no instrumento. Talvez seja mais uma intervenção do teclado, mas, de qualquer forma, a ideia ficou muito boa. A faixa tem uma forte tendência jazzística — especificamente jazz rock — com uma seção rítmica rica e cheia de nuances, além de guitarras que alternam entre o peso e a suavidade e teclados que criam uma melodia exuberante ao fundo.

“Eagle Plains” começa de forma etérea, criando uma atmosfera onírica que cativa pela sofisticação. O piano quase clássico, acompanhado por notas espaçadas de baixo e toques sutis de guitarra, prepara o terreno para que a bateria entre em cena e eleve a música a um novo patamar, tornando-a mais vigorosa. Linhas de guitarra bem elaboradas, solos incandescentes de sintetizadores e teclados sinfônicos, sustentados por uma seção rítmica sólida, fazem desta faixa um dos destaques do disco. “The Virtue of...” inicia de maneira sombria, com uma mistura de space rock atmosférico e post rock ambiental. A guitarra inflama a música ao longo de sua extensão, alternando com rajadas de órgão que remetem ao Jon Lord. Baixo e bateria novamente criam uma base pulsante, mantendo a tensão e o interesse do ouvinte.

“Flatlander” é a faixa mais pesada do álbum, flertando com o heavy metal. Aqui a banda entrega um instrumental mais direto, onde todos os instrumentos se unem para criar um ambiente distorcido e agressivo. A música não possui muita variação, então foi acertada a decisão de mantê-la curta, evitando que se prolongasse desnecessariamente. “Tramp Hollow” é outra música com pouca variação, o que pode causar uma leve frustração, já que a banda parece estar preparando o ouvinte para uma mudança de ritmo que nunca chega. No entanto, ainda assim, a faixa tem seus atrativos, com solos de guitarra vibrantes, linhas de baixo pulsantes, bateria sólida e teclados que preenchem bem todos os espaços, culminando em um solo de piano interessante no final.

“Notes of the Concubine” inicia com um violão que poderia muito bem ter saído de um disco de Steve Hackett devido à sua aura clássica. A música assume um tom psicodélico até que algumas notas mais enérgicas de piano anunciam uma mudança de direção, que se concretiza com a entrada dos demais instrumentos. Para aqueles familiarizados com o King Crimson, essa faixa ressoará como as composições mais abstratas e dissonantes da banda. Sombria e angustiante, a música também oferece momentos influenciados pelo jazz de vanguarda.

“Eyota,” com seus quase 13 minutos, é a peça mais longa do álbum. O título homenageia uma cidade de Minnesota, cujo nome deriva de um termo Sioux que significa “o maior.” Nada mais justo, afinal, trata-se do ápice do álbum em termos de composição. O piano abre a faixa, seguido por uma explosão da bateria que introduz elementos de zeuhl nos primeiros três minutos e meio, até que o piano solitário volta a guiar a música para uma direção mais acessível e menos experimental. No geral, é uma faixa que oscila entre momentos agressivos e serenos, mas sempre dentro de uma atmosfera sinistra, onde as teclas se destacam como o grande trunfo da peça.

“Chateau La Barre” é na minha opinião um ponto fraco do álbum, mas dura pouco mais de dois minutos. Um teclado eletrônico lidera a faixa que parece mais um interlúdio ligando a faixa anterior à próxima. No entanto, esse “gancho” não combina bem com nenhuma das duas, ficando deslocado tanto em relação as duas faixas quanto ao álbum como um todo. “Serpentine” começa com uma vibe que remete ao White Stripes, misturada com uma explosão sonora quase metálica. A faixa varia entre momentos pesados e outros mais suaves, com uma veia jazzística evidente, especialmente nos ataques de Hammond. “The Way” é a faixa final, excelente tanto para encerrar o álbum, quanto para finalizar os shows da banda. É uma ilustração perfeita de quatro músicos que trabalham quase como metrônomos humanos. Linhas de baixo que talvez sejam as melhores do álbum, solos fervorosos de guitarra e teclados atmosféricos, além de uma bateria exuberante, confeccionam um final de álbum que não poderia ser melhor.

Ao chegar ao final deste álbum de quase 70 minutos, percebi que apenas os pouco mais de dois minutos de “Chateau La Barre” que verdadeiramente não me agradaram. Isso me deu a certeza de que estava diante de uma grande banda que produziu mais um feito notável e que merece uma repercussão muito maior do que tem atualmente. There Are No Ordinary Moments é um disco com um nível incrível de musicalidade e cheio de variações, que mesmo explorando inúmeros caminhos e direções diferentes, consegue se manter coerente e cativante.

NOTA: 8.8/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. Red Blanket - 8:13
2. Eagle Plains - 7:58
3. The Virtue of... - 5:52
4. Flatlander - 3:14
5. Tramp Hollow - 5:28
6. Notes of the Concubine - 8:20
7. Eyota - 12:39
8. Chateau La Barre - 2:12
9. Serpentine - 6:54
10. The Way - 7:30

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Julia Holter - Something in the Room She Moves (2024)

 

Julia Holter é conhecida por sua abordagem musical experimental na música pop e alternativa. Começou a estudar música desde cedo, aprendendo piano, violão e canto. Ela frequentou a Alexander Hamilton High School e depois estudou composição musical no California Institute of the Arts, onde obteve seu BFA e MFA.

A música de Holter é frequentemente descrita como uma fusão única de diversos gêneros, incluindo música erudita, pop experimental e eletrônica ambiental. Essa fusão eclética resulta em um som original e cativante. O aspecto mais notável são suas letras poéticas e atmosféricas, que podem transportar os ouvintes para um universo emocionalmente rico e evocativo. As letras muitas vezes exploram temas profundos e introspectivos, enquanto a atmosfera musical proporciona uma sensação de imersão e contemplação.

Something in the Room She Moves é o mais novo álbum da artista, trazendo novamente suas principais características, como composições intrincadas e arranjos complexos. Cada faixa é cuidadosamente elaborada, com camadas de instrumentação que se entrelaçam de maneira sofisticada, criando uma experiência auditiva rica em detalhes e texturas sonoras.

Something in the Room She Moves possui uma carga emocional profunda, influenciada em parte pela experiência pessoal da artista Julia Holter durante a pandemia do COVID-19 e sua jornada na maternidade. A composição captura momentos íntimos e reflexivos, refletindo a complexidade dos sentimentos que surgem em tempos de incerteza e transformação. Holter infunde a música com uma sensação de reverência e maravilha diante da vida e do amor. Os arranjos sonoros evocam uma atmosfera de contemplação e introspecção, enquanto as letras poéticas exploram temas de conexão humana, esperança e resiliência.

"Sun Girl" é uma música que inicia por meio de uma boa vibração de indie pop e se mantem assim na maior parte do tempo. O final expansivo e atmosférico em uma frase repetida várias, pode significar uma narração cheios de ideias e visões criativas, onde a mente se liberta para explorar novas possibilidades. "These Morning" é uma faixa melancólica que tem o saxofone como maior destaque, porém, no geral tudo soa de forma profunda provocando uma espécie de cruzamento entre as sensações conforme tudo vai se desenvolvendo. Tudo isso sob uma letra que parece explorar temas de esperança, arrependimento, vulnerabilidade e escapismo

"Something in the Room She Moves" começa doce e serena, mas conforme vai se desenvolvendo, também cresce bastante em intensidade, chegando em um pico quase sinfônico antes de retornar para as suas batidas serenas e melodia melancólica. Traz a busca como tema de sua narrativa, além da  admiração e contemplação, com uma mistura de elementos mundanos e surreais.

"Materia" é bastante intimista e produzida basicamente por meio dos vocais e usos pontuais de teclados que adicionam uma atmosfera taciturna e melodia arrastada, enquanto Holter explora um amor idealizado e compartilhando experiências intensas. "Meyou" é bastante experimental e viajante, onde a sua letra se baseia apenas em repetir inúmeras vezes o nome da faixa. De vocal solo que vai se transformando aos poucos em uma improvisação heterofônica, liricamente pode indicar um equilíbrio ou uma dinâmica de reciprocidade na interação entre duas pessoas. 

"Spinning" possui uma base mais pulsante, com o baixo nas alturas e sintetizadores que a permeiam por toda parte, além das batidas serem mais tempestuosas. Uma autorreflexão que sugere uma aceitação diante de uma jornada pessoal, incluindo tanto os momentos de alegria quanto de tristeza. "Ocean" é uma faixa instrumental. Composta principalmente por teclados espaciais e sintetizadores, a música é construída em camadas intricadas, criando uma paisagem sonora densa e envolvente.

"Evening Mood" possui uma atmosfera bastante liquida, enquanto as suas melodias se entrelaçam, sendo as linhas de baixo e as camadas de teclados seus maiores destaques. Uma verdadeira evocação de sentimentos nostálgicos, conexão e contemplação sobre a passagem do tempo. "Talking to the Whisper", uma desconexão e separação entre duas pessoas e que explora temas como a distância, comunicação, esperança e a natureza complicada do amor. É mais um momento do disco que contem boas doses de experimentações e pinceladas lisérgicas encaixadas brilhantemente.

"Who Brings Me", a ideia do menos é mais que existe dentro do minimalismo pode ser aplicada facilmente aqui. O disco chega ao fim com uma peça encantadora, entregando novamente teclas em camadas, enquanto isso, Holter explora temas como sonho, natureza e o amor, evocando uma sensação de admiração e devoção pelo mundo ao nosso redor e pela pessoa amada.

Something in the Room She Moves é um disco que se comporta como uma montanha-russa de experiências musicais. É evidente que Holter se aventurou por uma variedade de estilos, sons e temas, buscando desafiar as expectativas e criar algo valioso, nos convidando para mergulharmos nas profundezas da nossa própria alma e explorar os mistérios do coração humano.

NOTA: 9.2/10

Gênero: Art Pop

Faixas:

1. Sun Girl - 5:52
2. These Morning - 3:49
3. Something in the Room She Moves - 6:18
4. Materia - 3:08
5. Meyou - 5:55
6. Spinning - 6:14
7. Ocean - 5:38
8. Evening Mood - 6:24
9. Talking to the Whisper - 6:52
10. Who Brings Me - 3:38

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

The Messthetics and James Brandon Lewis - The Messthetics and James Brandon Lewis (2024)

 

Antes de mais nada, quem são The Messthetics e James Brandon Lewis? O primeiro, é uma banda instrumental de rock experimental, composta pelo baterista Brendan Canty e pelo baixista Joe Lally — ambos anteriormente membros da influente banda de punk, Fugazi — junto com o guitarrista Anthony Pirog. A banda explora sons densos e complexos, enquanto também consegue incorporar momentos de suavidade e beleza. A combinação do baixo e bateria fornecidos por Lally e Canty com as experimentações de guitarra de Pirog cria uma textura sonora distinta.

James Brando Lewis é um saxofonista com uma presença marcante no cenário do jazz contemporâneo. Ele combina elementos de jazz tradicional com influências modernas como hip-hop, funk e soul. Isso resulta em um som único que desafia as convenções do jazz e incorpora uma energia vibrante. Lewis é frequentemente elogiado pela forma como combina suas raízes no jazz com uma abordagem contemporânea, criando músicas que são tanto cativantes quanto desafiadoras. Sua capacidade de comunicar emoções complexas por meio de seu saxofone é uma marca registrada de sua carreira.

Dito isso, The Messthetics and James Brandon Lewis é um autointitulado do projeto que nasce de uma colaboração entre duas forças musicais excepcionais. Essas forças unem suas habilidades e experiências para criar uma fusão vibrante de estilos musicais, como jazz rock, art punk e rock progressivo. O resultado é uma obra repleta de complexidades e detalhes sutis, com improvisações inspiradas e uma energia contagiante que permeia cada faixa do disco. Os dois lados trazem suas próprias abordagens criativas e bagagem musical, resultando em uma mistura única de sons que mesclam harmonias e ritmos diversos. Cada peça do álbum explora diferentes aspectos desses gêneros musicais, permitindo que os músicos se expressem livremente através de suas composições e interpretações.

É importante ressaltar, que a colaboração entre The Messthetics e James Brandon Lewis não resulta em um som denso ou numa massa sonora opressiva – ainda que haja ataques instrumentais efusivos em alguns pontos. Essa parceria se destaca pela sua abordagem sutil e equilibrada, onde cada músico contribui com sua experiência e estilo de maneira harmoniosa. Eles conseguem criar uma textura sonora rica e complexa, mantendo um caráter leve e acessível ao mesmo tempo. Há uma exploração musical muitas vezes por meio de algumas nuances delicadas, evitando qualquer tipo de sobrecarga ou exagero sonoro. Em vez de criar uma parede de som avassaladora, eles optam por uma interação fluida e dinâmica e que destaca as habilidades individuais de cada um, enquanto mantém uma coesão impressionante.

The Messthetics and James Brandon Lewis se destaca pela ausência de qualquer trecho fraco ou mediano, com todas as faixas fluindo naturalmente. Cada composição é convincente e envolvente, demonstrando uma fusão magistral de vários elementos musicais. Todas as mesclas de gêneros distintos soam de forma harmoniosa e impactante, criando uma experiência auditiva única e memorável. A maneira como os músicos combinam, por exemplo, os elementos do rock e do jazz, resulta em uma obra que transcende as expectativas convencionais, apresentando algo realmente inovador. Nestes casos, as influências do jazz aparecem de maneira sutil e refinada, enquanto os aspectos do rock, outorga energia e intensidade às faixas.

O álbum é uma recomendação essencial para quem deseja explorar a fusão única entre o jazz e o rock, passeando por algumas ruelas ao lado do punk, além da música experimental e progressiva. Com uma excelente abordagem, a música oferece uma experiência envolvente, proporcionando aos ouvintes um itinerário sonoro que desafia expectativas convencionais. Os ouvintes são presenteados do começo ao fim com uma variedade de nuances, desde solos impressionantes até passagens melódicas atraentes, tornando este álbum um verdadeiro petardo para quem aprecia a criatividade musical em sua forma mais pura. Pra quem se deixar levar, é uma viagem inesquecível, pois irá expandir seus horizontes musicais e mergulhar em uma combinação de sons que é surpreendente e emocionante.

The Messthetics and James Brandon Lewis se revela como uma fascinante interseção entre a improvisação livre e o espírito rebelde do rock, incorporando ainda a energia crua do punk. A combinação de estilos resulta em uma experiência auditiva imprevisível, que conquista os ouvintes pela fusão única de gêneros. O álbum se destaca por sua diversidade sonora, que dá espaço a melodias e refrãos cativantes. Além disso, a capacidade de alternância entre passagens intensas e dinâmicas e momentos mais suaves e melódicos demonstra uma ótima versatilidade do quarteto.

Por fim, o álbum gravado em apenas alguns dias, captura uma energia intensa e autêntica que revela a incrível química entre os músicos. Cada integrante trabalha em conjunto, desafiando-se mutuamente a sair de suas zonas de conforto e explorar novos territórios musicais. Embora o processo seja gradual, a colaboração dinâmica se traduz em um som fresco e empolgante, evidenciando a força coletiva de um projeto que tem a potencial de inovar cada vez mais.

NOTA: 9.5/10

Gênero: Jazz Rock, Música de Vanguarda

Faixas:

1. L'Orso - 4:40
2. Emergence - 2:59
3. That Thang - 3:11
4. Three Sisters - 5:15
5. Boatly - 7:27
6. The Time is The Place - 5:58
7. Railroad Tracks Home - 7:15
8. Aesthenia - 2:32
9. Fourth Wall - 6:56

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

domingo, 29 de dezembro de 2024

Ill Considered – Precipice (2024)


Ill Considered é uma banda que surgiu em 2017, quando Emre Ramazanoglu (bateria) e Idris Rahman (saxofone) resolveram iniciar um projeto musical com enfoque na experimentação e improvisação. Eles tinham o desejo de explorar novos caminhos criativos, adotando uma formação instrumental que abrange bateria, saxofone e baixo, esse último ficando a cargo de Jean-Marie Brichard. A primeira sessão de jam que a banda realizou foi registrada e, logo em seguida, mixada e masterizada em um intervalo de 24 horas, resultando na produção do álbum de estreia do grupo. 

A abordagem independente de produção no estilo "faça você mesmo" mostrou-se extremamente eficiente para a banda. Nos três anos seguintes ao seu início, trabalharam de forma autônoma na criação de diversos álbuns. No total, eles lançaram nove álbuns, sendo que alguns foram gravados ao vivo em performances enérgicas, enquanto outros foram registrados em estúdio. A combinação de sua abordagem improvisada e a sua dedicação à produção ágil e independente consolidou a posição do Ill Considered como uma presença marcante no cenário do jazz instrumental contemporâneo.

Essa metodologia de trabalho, marcada por experimentações ousadas e uma busca constante por novos sons e técnicas, definiu não apenas a identidade artística do trio, mas também serviu como um catalisador para sua evolução contínua. O grupo vem construindo um legado que é marcado por uma discografia rica em variedade e profundidade, além de desafiadora. Sua mais nova obra a ser exposta em sua vitrine musical, também é uma sequencia natural de um rio agitado, mas que sabe exatamente para onde está indo.

Precipice é um álbum que incorpora elementos do jazz estilo livre, conhecido como free jazz, com influências de músicas de vanguarda. Essa fusão oferece uma experiência sonora poderosa. As composições do álbum exploram harmonias não convencionais, ritmos complexos e improvisações intensas, criando paisagens sonoras que capturam a essência do jazz moderno, enquanto se aventuram em terrenos experimentais. Ramazanoglu, Rahman e Brichard proporcionam ao ouvinte uma dinâmica envolvente, entregando peças que são um verdadeiro deleite para quem aprecia músicas feitas com liberdade criativa.

Ainda que o trio tenha sido conhecido por sua ousadia e experimentalismo em álbuns anteriores, não é justo usar isso para diminuir a grandiosidade do novo trabalho. Idris Rahman é um saxofonista incrível e está à frente da sonoridade do disco, liderando com performances marcantes que equilibram ataques energéticos com notas espaçadas, sempre executadas com um forte senso de direção e propósito. Esse equilíbrio entre intensidade e calma permite que o álbum entregue uma experiência auditiva rica e multifacetada.

Enquanto isso, Jean-Marie Brichard e Emre Ramazanoglu entregam uma seção rítmica firme e cuidadosamente trabalhada. Brichard, no baixo, e Ramazanoglu, na bateria, demonstram uma incrível sincronia enquanto executam linhas rítmicas sólidas e dinâmicas em performances que se complementam muito bem. Os dois trazem uma combinação de energia e estabilidade ao disco, sustentando as melodias com firmeza. As linhas de baixo adicionam profundidade ao som, enquanto os ritmos de bateria de Ramazanoglu marcam o tempo com clareza e precisão, monde ambos estabelecem uma estrutura musical robusta que mantém o disco interessante do início ao fim, proporcionando uma experiência sonora valiosa.

Embora o álbum apresente uma quantidade menor de explosões sonoras e passagens instrumentais intensas do que eu normalmente costumo preferir em trabalhos dessa natureza, sua música é uma experiência auditiva excepcional. Precipice proporciona uma atmosfera agradável, que pode ser apreciada de várias maneiras distintas. Quando tocado em segundo plano, o álbum cria um ambiente sonoro suave e harmonioso, ideal para momentos de relaxamento ou atividades cotidianas. Suas melodias tornam-se uma trilha sonora agradável que acompanha suavemente o ambiente, proporcionando uma sensação de serenidade.

Em contrapartida, caso o ouvinte queira imergir dentro do álbum e abraçar toda a sua profundidade e complexidade, os arranjos intricados e as harmonias cuidadosamente construídas o convidam para uma viagem sônica profunda. Essa versatilidade é o mais interessante, pois atende a diferentes estados de espírito e preferências, agradando tanto a quem busca uma experiência tranquila quanto a quem deseja uma imersão mais profunda na música.

NOTA: 8.1/10

Gênero: Free Jazz, Música de Vanguarda

Faixas:

1. Jellyfish - 4:10
2. Don't Be Sad (It's Too Late) - 3:23
3. Vespa Crabro - 6:01
4. Linus with the Sick Burn - 3:39
5. And Then There Were Three - 4:15
6. Katabatic - 5:05
7. Black Lacquer - 4:02
8. Kintsugi - 2:20
9. Solenopsis - 6:41
10. Alpenglow - 4:41

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Shabaka - Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace (2024)

 


Shabaka Hutchings é, sem dúvida, uma figura proeminente no cenário do jazz contemporâneo. Sua carreira é uma jornada fascinante por meio de uma rica tapeçaria de estilos musicais que o destacam como um músico bastante importante de sua geração. Hutchings tem sido moldado por uma combinação única de influências culturais e musicais. Sua herança caribenha, permeada pelas vibrantes tradições musicais da região, desempenhou um papel fundamental em sua formação como músico. Além disso, o ambiente musical diversificado de Londres, onde cresceu e se desenvolveu como artista, proporcionou a ele uma ampla gama de experiências e influências para explorar.

O talento de Shabaka vem de muito cedo. Mergulhando em uma variedade de estilos que vão desde o jazz ao reggae, o músico parece está sempre observando o que acontece de mais rico na música ao seu redor para poder servir de inspiração para suas próprias composições. Toda a versatilidade de Hutchings vem dessa sua sede por conhecimento e vontade de explorar um mundo infinito de possibilidades que a música pode proporcionar. Sua capacidade de unir tradição e inovação, combinando elementos do passado com uma visão contemporânea é um dos seus maiores trunfos dentro da construção de sua obra.

Comparado com os projetos coletivos dos quais Shabaka Hutchings faz parte, como Sons of Kemet e Melt Yourself Down, a música encontrada em Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace, segue linhas muito mais contemplativas. O álbum convida o ouvinte para uma jornada interior, onde a música serve como veículo para uma reflexão. As composições são mais espaçadas e etéreas, permitindo que cada nota ressoe e se desdobre lentamente ao longo do tempo. Há uma sensação de calma e serenidade que permeia todo o disco, entregando melodias envolventes e de texturas ricas para o ouvinte.

No disco, Hutchings não se limita em tocar apenas às várias nuances das flautas, mas também exibe sua habilidade no saxofone – afinal, este até então sempre foi o seu instrumento principal - na faixa Breathing. São mais de 20 músicos que se juntam a ele no decorrer do álbum, contribuindo para uma rica tapeçaria sonora. Nomes como do percussionista Carlos Niño, o virtuoso violinista e violoncelista Miguel Atwood-Ferguson, o baixista sempre sólido, Speranza Spalding e de Brandee Younger e Charles Overton com suas melodias etéreas nas harpas. Além disso, a diversidade vocal é outro ponto interessante, com participações que vão desde Moses Sumney e Saul William até as rimas perspicazes do rapper Elucid, além da doçura de Eska.

As sessões de gravação foram marcadas por uma abordagem única e intimista, refletindo a visão artística de Hutchings e sua ênfase na autenticidade e na conexão humana. Durante esse processo, o músico valorizou enormemente a importância de ter os músicos tocando juntos no mesmo ambiente, sem o uso de fones de ouvido ou barreiras tecnológicas que pudessem interferir na comunicação e na interação entre eles. O resultado é um testemunho da poderosa conexão que pode ser alcançada quando os músicos se reúnem em um espaço compartilhado, sem barreiras entre eles além da música que estão criando juntos.

Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace é um disco exuberante, lindamente texturizado, emocional e espiritualmente impactante, onde a sua real beleza não está apenas em sua música, mas também na sua capacidade de tocar o coração, como se ressoasse em forma de um convite para uma viagem introspectiva e transcendental. Cada nota parece carregar um tipo de significado ao criar melodias que são executadas com uma graça singular. Particularmente, eu adoro discos que não entregam somente simples entretenimento, mas deixam uma marca duradoura naqueles que o abraçam e estão dispostos a senti-lo.

A característica distintiva do álbum reside na sua consistência e qualidade de produção. No entanto, vale destacar também que a recepção do disco pode variar significativamente entre os ouvintes, especialmente devido às suas nuances emocionais que, apesar de classificadas como jazz espiritual, inclinam-se frequentemente para um lado melancólico. Por um lado, essa abordagem pode ser uma revelação bem-vinda, uma expressão autêntica que ressoa profundamente com o ouvinte e as suas próprias vivências – sendo exatamente o meu caso. Por outro lado, enxergar o disco como uma tendência musical inclinada para sentimentos mais sombrios, pode desafiar as expectativas iniciais do ouvinte, levando a uma experiência de audição que no fim acabará não soando muito gratificante.

Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace representa uma ruptura ousada e corajosa com o caminho já trilhado por Hutchings e que até então havia sido bem-sucedido. Ao desviar-se dos padrões estabelecidos e explorar novos territórios, ele desafia as expectativas e redefine sua jornada artística. É evidente que o músico está no auge de sua criatividade, explorando novos horizontes e desafiando a si mesmo. O resultado disso, é um testemunho do poder transformador da arte e da música, além de mostrar a capacidade de um artista de evoluir e se reinventar continuamente. No fim, o álbum é uma celebração da coragem de Hutchings em seguir em frente em direção ao desconhecido, mas confiante na própria visão.

NOTA: 9/10

Gênero: Jazz Espiritual, Jazz de Câmara, New Age

Faixas:

1. End of Innocence - 2:36
2. As the Planets and the Stars Collapse - 2:35
3. Insecurities - 4:39 feat. Moses Sumney
4. Managing My Breath, What Fear Had Become - 3:11 feat. Saul Williams
5. The Wounded Need to Be Replenished - 2:44
6. Body to Inhabit - 7:28 feat. Elucid
7. I’ll Do Whatever You Want - 7:43 feat. Floating Points & Laraaji
8. Living - 3:41 - feat. Eska Mtungwazi
9. Breathing - 4:27
10. Kiss Me Before I Forget - 2:57
feat. Lianne La Havas
11. Song of the Motherland - 4:45 feat. Anum Iyapo

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

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