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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

30 anos de: Symbolic - Death (1995)

 

Death sempre se destacou como uma força revolucionária no cenário do death metal, e na minha opinião, Symbolic representa o auge desta evolução criativa. Chuck Schuldiner guiou a banda para além dos limites do death metal tradicional, entregando um álbum que combina brutalidade com uma complexidade musical notável. Criando um disco que é amplamente reconhecido como o ponto culminante da discografia da banda, tendo sua influência e impacto como algo inquestionável.

O álbum se distingue não apenas pelo seu som caracteristicamente brutal, mas também pela sua ousadia em incorporar elementos progressivos e sofisticados. Symbolic não é um mero exercício de brutalidade, é também um mergulho profundo em uma experiência musical rica e multifacetada. Cada faixa apresenta uma diversidade de passagens que vão desde cadências suaves até riffs esmagadores. 

Diferentemente dos primeiros trabalhos da banda e que são marcados por temas mais grotescos e de horror, as letras em Symbolic representam um enorme salto em termos de maturidade artística. Com muita sensibilidade, Chuck Schuldiner aborda conceitos universais como a passagem do tempo, as contradições da hipocrisia, o mergulho na introspecção e os dilemas de lutas internas que cada ser humano enfrenta. Essa evolução confere ao álbum uma profundidade singular e que o torna não apenas uma obra musical impactante, mas também uma espécie de convite à contemplação.

A produção de Symbolic é talvez a mais refinada da carreira da banda. A clareza e o detalhamento sonoro permitem que cada elemento da música se destaque de forma poderosa. A fraseologia de Chuck Schuldiner, caracterizada por riffs brutais e técnicas de composição complexas atinge um novo patamar de excelência. A produção cristalina complementa a intensidade das performances e resulta em um som que é ao mesmo tempo impiedoso e majestoso.

A faixa-título, "Symbolic", abre o álbum com um riff marcante que se destaca como um dos meus riffs preferidos de sempre. A música é uma exibição espetacular de mudanças de tempo, bateria inovadora e vocais intensos que estabelecem imediatamente o tom do álbum. "Zero Tolerance" segue como um dos clássicos da banda e que destaca o trabalho de guitarra atonal e as harmonias complexas que são uma marca registrada de Chuck. A evolução de suas habilidades de composição é evidente, com uma abordagem que combina brutalidade e técnica de forma brilhante.

"Empty Words" explora o lado mais progressivo da banda, com uma introdução limpa e desenvolvendo-se em uma sequência que mistura calmaria com caos musical. A faixa demonstra uma habilidade impressionante para alternar entre seções melódicas e riffs intensos, criando uma experiência musical de tirar o fôlego. "Sacred Serenity" oferece uma introdução promissora com baixo e bateria, mas não atinge o mesmo nível de impacto que as faixas anteriores. No entanto, ainda apresenta momentos de grande virtuosismo, especialmente na linha de guitarra inicial.

"1,000 Eyes" é uma das faixas mais memoráveis do álbum, com uma performance de bateria de Gene Hoglan que é excepcional. A complexidade rítmica e os solos oferecem uma verdadeira joia do death metal. "Without Judgement" se destaca com um riff estereotipado de metal, um solo memorável e uma linha melódica impressionante, mostrando a habilidade de Chuck em criar riffs que permanecem com o ouvinte.

"Crystal Mountain" se posiciona com uma sonoridade que fica entre "Sacred Serenity" e "Zero Tolerance", oferecendo uma combinação de qualidade e impacto. A bateria novamente é um destaque, com a ruptura dramática no meio da música proporcionando uma surpresa gratificante. "Misanthrope" começa com uma introdução veloz e técnica, e embora seja considerada a faixa mais "fraca" do álbum, ainda apresenta riffs agradáveis e mantém a qualidade geral do disco. A faixa de encerramento, "Perennial Quest", é uma obra-prima que fecha o álbum de maneira apoteótica. Uma verdadeira demonstração do auge técnico e criativo da banda, apresentando seções acústicas que embora possam ser vistas como desnecessárias por alguns puristas, estão perfeitamente integradas à narrativa musical.

Embora Chuck Schuldiner tenha falecido em 2001, sua influência e legado permanecem vivos através de sua música. Symbolic é um testamento do seu talento e visão, e seu impacto na história do death metal é indelével. O álbum não é apenas um marco na carreira do Death, mas também uma peça fundamental na evolução do metal extremo, garantindo que a importância de Chuck Schuldiner e sua música continue a ser reconhecida e celebrada.

NOTA: 10/10

Gênero: Death Metal

Faixas:

1. Symbolic - 6:33
2. Zero Tolerance - 4:48
3. Empty Words - 6:22
4. Sacred Serenity - 4:27
5. 1, Eyes - 4:28
6. Without Judgement - 5:28
7. Crystal Mountain - 5:07
8. Misanthrope - 5:03
9. Perennial Quest - 8:21

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MJ Lenderman - Manning Fireworks (2024)

 

MJ Lenderman é um artista que tem conquistado um espaço cada vez mais relevante na cena musical indie e country dos Estados Unidos. Sua música combina melancolia profunda e introspectiva com crueza emocional e que garante um resultado musical cheio de frescor. Além disso, tem a capacidade de transitar com bastante destreza entre momentos de delicadeza e intensidade, criando assim, músicas com a capacidade de abraçar ouvinte. Vale destacar também, que o músico não possui apenas a sua ainda recente trajetória solo, o jovem ainda integra a banda Wednesday, nome bastante promissor dentro do cenário independente americano. 

Lenderman é um artista que tem uma enorme capacidade de construir uma sonoridade orgânica e que transita livremente entre estilos ao mesmo tempo em que desenha paisagens musicais inspiradas por uma ampla diversidade de influências. Seu indie rock e country alternativo, que figuram como os pilares centrais de sua música, revelam uma influência de grandes nomes como Neil Young e até mesmo a delicadeza intimista e despojada de Elliott Smith.

Manning Fireworks é o seu quarto álbum solo, um disco que consolida sua capacidade de envolver emocionalmente o ouvinte. Destacando-se não apenas pela musicalidade cativante, mas também pelas letras bem construídas, o disco carrega bastante sensibilidade em cada uma de suas faixas que são todas tocada com precisão, o que reafirma a maturidade artística de Lenderman. 

O disco começa por meio da faixa título, uma composição introspectiva e melancólica. O violão assume o protagonismo enquanto o violino surge como um contraponto sutil e acrescenta camadas de beleza e melodia à peça. Uma música de atmosfera íntima e contemplativa. “Joker Lips é uma faixa que abraça as raízes do country ao mesmo tempo em que flerta com a energia do rock sulista dos anos 70. É uma peça dinâmica e de riffs marcantes, além de arranjos nostálgicos. A letra espirituosa adiciona um charme peculiar e mostra um humor ácido de MJ Lenderman, porém, sem perder a profundidade característica do seu som. 

“Rudolph”, de musicalidade leve, quase etérea, mas trazendo temas como desilusão e desejo não correspondido, Lenderman cria um ambiente interessante e de contrastes envolventes entre a musicalidade e a narrativa. “Wristwatch” transmite uma vibe rock suave que é recheada de guitarras cativantes e um ritmo edificante. Com sua energia descontraída e harmônica a faixa parece feita para ser compartilhada em momentos de confraternização.

“She's Leaving You”, de uma forma honesta, emocional e por meio de uma melodia simples e tocante, aborda o fim de um relacionamento. De uma maneira simples e tocante tem a capacidade de envolver o ouvinte de forma direta. “Rip Torn”, inspirada no ator de mesmo nome, aqui, Lenderman descreve uma pessoa autodestrutiva e caótica, usando o nome do ator por conta de o mesmo vivenciar personagens desse temperamento. De instrumentação leve e contida, possui uma atmosfera melancólica e reflexiva. 

“You Don't Know the Shape I'm In” apresenta uma cadência que funde o rock e o folk de maneira simples, mas cativante. A melodia flui com uma leveza que contrasta com a intensidade emocional da letra, onde Lenderman expressa com sinceridade a dor de não conseguir manter uma comunicação sólida com aqueles ao seu redor. “On My Knees”, aqui o músico joga para fora toda a sua influência em Neil Young em uma peça que emana uma vibe de rock de garagem, enquanto fala sobre uma luta interna com os desafios emocionais da vida. 

“Barka at the Moon”, a princípio parece que vai encerrar o disco com uma energia vibrante e animada. Embora a faixa dure 10 minutos, cerca de quatro desses minutos são dedicados à música propriamente dita. O restante da canção mergulha em microfonias, cacofonias e sons atmosféricos. Esse final experimental adiciona uma camada psicodélica ao disco, como se a música se desintegrasse em sua própria essência e completasse a sua jornada de maneira inesperada e instigante.

Considero Manning Fireworks como uma trilha sonora perfeita para um luau entre amigos, afinal, é um disco descontraído, acolhedor e cheio de momentos para reflexão. O álbum é uma nuance de pensamentos acerca da vida cotidiana e que é apresentado com um equilíbrio cativante entre introspecção e leveza. As letras são muitas vezes espirituosas e exploram temas profundos com um tom descomplicado, enquanto a musicalidade envolvente e despretensiosa cria uma atmosfera que convida o ouvinte a relaxar e se conectar tanto com as melodias quanto com as histórias narradas.

NOTA: 8.9/10

Gênero: Country Alternativo, Indie Rock

Faixas:

1. Manning Fireworks - 2:59
2. Joker Lips - 3:01 vídeo
3. Rudolph - 3:31
4. Wristwatch - 3:42
5. She's Leaving You - 4:38
6. Rip Torn - 3:32
7. You Don't Know The Shape I'm In - 3:36
8. On My Knees - 3:52
9. Bark At The Moon - 10:00

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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

40 anos de: Misplaced Childhood - Marillion (1985)

 

Misplaced Childhood é para muitos o ponto alto não só da era Fish, mas de toda a discografia do Marillion. Este álbum é um exemplo claro de como a música progressiva pode fluir de forma coesa e com linhas melódicas excepcionais, além de uma musicalidade refinada e uma narrativa poderosa que é ao mesmo tempo acessível a qualquer público. Dentro do universo do neo-progressivo certamente é uma verdadeira obra-prima. 

Misplaced Childhood é um álbum conceitual que se destaca por sua estrutura, onde as músicas fluem sem interrupções e formam uma narrativa envolvente. O disco é capaz de capturar emoções profundas e complexas por meio de sua música e letras poéticas que exploram uma ampla gama de temas universais, como o amor perdido, a nostalgia, os altos e baixos da fama, as dores emocionais que marcam a existência humana e a esperança de redenção. Reflexões essas muito bem entrelaçadas em uma tapeçaria musical brilhante. 

É bastante conhecido que a ideia do disco nasceu de uma experiência profundamente pessoal do vocalista Fish. Foi durante um período de crise emocional que ele teve uma epifania que serviu como ideia para a criação do álbum. Esse momento acabou o inspirando a revisitar memórias de sua infância e a refletir sobre os desafios e desilusões da vida adulta. Muitas das composições são introspectivas e refletem as lutas e os sentimentos do vocalista, trazendo dessa forma, bastante autenticidade e intensidade emocional à cada uma das faixas.

O disco começa com "Pseudo Silk Kimono", uma faixa que estabelece o tom sinfônico e introspectivo do álbum. O teclado melódico acompanhado de uma guitarra sutil e uma linha de baixo profunda cria uma atmosfera suave que é apenas o prelúdio de um disco sensacional. A transição para "Kayleigh" é natural. A música se tornou o maior single da banda ao atingir o segundo lugar nas paradas do Reino Unido. É uma canção direta e sincera sobre a perda de um amor. Inspirada por uma ex-namorada de Fish, é marcada por um groove envolvente e uma combinação perfeita entre bateria e baixo, além de um solo de guitarra memorável que intensifica a emotividade da letra.

"Lavender" segue como uma bela balada, onde Fish reflete sobre o amor através da lente da inocência infantil. A faixa é adornada por melodias edificantes de piano que culminam em um solo de guitarra que amplifica a delicadeza da canção. Em "Bitter Suite" a banda explora o lado sombrio do amor, com Fish recitando um poema sobre uma base musical atmosférica e crescente. A música evolui em uma experiência sombria e introspectiva e de passagens que remetem à sonoridade de "Lavender", destacando a coesão do álbum como um todo. "Heart Of Lothian" é uma ode ao orgulho escocês e à juventude de Fish, sendo uma faixa que brilha como uma das mais emocionantes da banda. Com uma seção rítmica impecável e um solo de guitarra belíssimo, além de Fish em sua melhor forma vocal, a música evoca a influência do Genesis em sua atmosfera rica e emotiva.

"Waterhole (Expresso Bongo)" oferece uma pausa mais curta e intensa, com guitarras estridentes e um riff de sintetizador que energiza a faixa, enquanto "Lords Of The Backstage" mantém o ritmo com uma sincronia impecável entre guitarra e sintetizadores que opreparam o terreno para o épico "Blind Curve". "Blind Curve" é o ápice progressivo do álbum e uma das faixas mais icônicas da banda. A canção começa de maneira direta, com uma linha de guitarra que se funde perfeitamente com os vocais poéticos. Aqui a banda se mostra em seu auge, com uma interação coesa e um equilíbrio perfeito entre todos os instrumentos e que resulta em uma obra etérea e profundamente tocante.

"Childhoods End?" traz um sopro de esperança e oferece uma luz no fim do túnel para o personagem central da narrativa. A faixa é forte, emocional e de estrutura dramática que eleva ainda mais o álbum. "White Feather" fecha o disco com uma melodia simples e animada, embora não tão impactante quanto as faixas anteriores.

Uma obra de arte que não é apenas um disco impecável, mas um disco que definiu o neo-progressivo de forma indiscutível, elevando o padrão de qualidade a alturas raramente alcançadas. Se Misplaced Childhood não for considerado essencial no contexto do neo-progressivo, é difícil imaginar o que mais poderia ser.

NOTA: 10/10

Gênero: Neo-Prog

Faixas:

1. Pseudo Silk Kimono - 2:13
2. Kayleigh - 4:03
3. Lavender - 2:27
4. Bitter Suite - 5:53
5. Heart of Lothian - 6:02
6. Waterhole (Expresso Bongo) - 2:12
7. Lords of the Backstage - 1:52
8. Blind Curve - 9:29
9. Childhoods End? - 4:32
10. White Feather - 2:23

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Richard Wileman - The Forked Road (2024)

 

Qualquer um familiarizado com o trabalho de Richard Wileman como líder e principal compositor da banda Karda Estra já pode imaginar o tipo de música que encontrará em seus discos solo. No entanto, afastado de sua banda, Wileman revela um lado ainda mais sombrio e taciturno. The Forked Road, seu quarto trabalho solo, exemplifica essa faceta com maestria. Nas palavras do próprio Wileman, The Forked Road é um álbum conceitual de terror progressivo/folk, enraizado no condado de Wiltshire, que narra o encontro de um cometa com a Terra, resultando em uma convergência de mortos-vivos em direção a The Ridgeway.

Apesar de eu considerar Wileman um nome essencial na cena progressiva do século XXI, entendo o motivo pelo qual ele nunca recebeu o reconhecimento merecido. Sua música frequentemente transcende os limites do gênero, mergulhando em terrenos que lembram a música clássica moderna, ao mesmo tempo em que evoca sonoridades de trilhas sonoras de filmes de terror, criando uma atmosfera visual e inquietante. Outro ponto a ser considerado, é sua rara presença em apresentações ao vivo, principalmente devido ao uso de uma ampla variedade de instrumentos. No entanto, essa mesma diversidade instrumental é o que torna seus discos tão fascinantes.

A faixa de abertura, “The Last Book of English Magic,” já estabelece o humor do álbum. Trata-se de uma peça instrumental repleta de beleza, mas que também carrega uma melancolia densa e uma angústia sútil. O dedilhado delicado do violão e as linhas etéreas da harpa são os destaques e criam uma atmosfera envolvente e encantadora. “Butterfly” segue com violões cativantes que logo são acompanhados pelos vocais melódicos de Richard. Os teclados intrigantes e a guitarra que aparece pontualmente acrescentam camadas à composição.

A faixa-título, “The Forked Road,” é mais uma peça instrumental que exala mistério e enigma, como se fosse a trilha sonora de um filme de terror inexistente. Novamente, o trabalho de harpa de Chantelle Smith se destaca, às vezes soando ligeiramente dissonante, mas sempre dentro da proposta atmosférica do álbum. Em “Children of the Sun,” Wileman é acompanhado por Amy Fry nos refrãos. É uma música predominantemente conduzida por voz e violão, com sintetizadores e guitarra aparecendo timidamente. Possui um clima onírico e delirante, descrevendo a vida daqueles que já partiram e estão prestes a reencarnar.

Em “Avenue & Circle,” Chantelle Smith retorna com sua harpa hipnotizante, sendo acompanhando por violão e os teclados atmosféricos de Wileman. A música é tocada de forma espaçada e com batidas que surgem de maneira quase acidental, sendo isso, algo que proporciona ao ouvinte uma experiência sônica assombrosa, sendo um dos momentos mais sombrios do disco. “Comet VS The Earth” traz de volta os vocais celestiais de Amy Fry, além de sua performance no clarinete. Mais uma vez o violão e o teclado de Wileman criam uma harmonia enigmática e marcam um ponto crucial no conceito do álbum, onde os mortos são gradualmente trazidos de volta à vida pela passagem do cometa.

“Old Bones”, com seus duetos vocais masculinos e femininos, possui uma fluidez que remete às bandas de rock psicodélico dos anos 60 - embora, neste disco, a faixa pareça um pouco deslocada. Além de tocar harpa, Chantelle assume os vocais que acompanham Richard. “Spectres of the Ridgeway,” é a faixa mais extensa do álbum. Além da presença de Amy Fry no saxofone e Chantelle Smith na harpa, Richard - no violão e teclado - convida sua filha, Sienna Wileman, para adicionar efeitos sonoros. O resultado é a melhor composição do álbum: uma peça de vanguarda impressionante, transcendental, sinistra e assustadora, que cresce no ouvinte conforme se desenvolve.

“The Inevitable Beast” destaca-se pelas ondas sombrias dos teclados atmosféricos e pelos vocais dramáticos de Wileman. A forma como a música se desenvolve faz o ouvinte questionar se a criatura mencionada é apenas simbólica, sugerindo que no final, tudo deu certo para a humanidade ou se é necessário ouvir o álbum mais uma vez para captar algum detalhe perdido na trama. “The First Book of English Magic” encerra o disco refletindo o outro lado da peça que o iniciou. Com menos de dois minutos é a menor faixa do álbum, apresentando um belo trabalho de violão e teclas harmoniosas que evocam o clima taciturno que permeou todo o disco. 

The Forked Road é daqueles discos que fluem tão bem que ouvi-lo repetidamente por várias horas não seria um problema. No entanto, há um outro lado dessa experiência: sua música pode não ser fácil de absorver caso o ouvinte busque algo diferente de um álbum repleto de paisagens sonoras cinematográficas, construídas por desenvolvimentos melódicos muitas vezes mórbidos e silêncios sepulcrais.

NOTA: 8/10

Gênero: Clássico Moderno, Folk de Câmara

Faixas:

1. The Last Book of English Magic - 4:59
2. Butterfly - 3:42
3. The Forked Road - 2:30
4. Children of the Sun - 5:12
5. Avenue & Circle - 3:26
6. Comet vs the Earth - 3:08
7. Old Bones - 2:50
8. Spectres of the Ridgeway - 6:46
9. The Inevitable Beast - 5:47
10. The First Book of English Magic - 1:56

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domingo, 5 de janeiro de 2025

Cen-ProjekT - The Story of Enja (2024)

 

Cen-ProjekT é um projeto notável no universo do rock progressivo sinfônico e que é liderado pelo multi-instrumentista alemão Chris Engels. O que torna o Cen-ProjekT particularmente distinto é a habilidade de Engels em mesclar a complexidade intrincada e a grandiosidade expansiva características do rock progressivo com elementos enriquecedores da música sinfônica. Essa combinação, não apenas preserva, mas eleva o espírito sônico e resulta em composições que são ao mesmo tempo ricas e multifacetadas dentro do panorama musical contemporâneo do gênero.

Chris Engels é um músico versátil e com um profundo amor pelo rock progressivo e pela música clássica. Suas influências incluem bandas clássicas como Genesis, Yes, King Crimson e Pink Floyd, bem como compositores eruditos como Johann Sebastian Bach e Ludwig van Beethoven. Esta combinação de influências é evidente nas composições que frequentemente apresentam mudanças complexas de tempo, harmonias sofisticadas e arranjos elaborados que conseguem capturar até mesmo sensações cinematográficas.

The Story of Enja, seu 11º disco em uma carreira discográfica de apenas cinco anos até o momento, é um álbum conceitual em que o seu fio condutor está no título. A jornada de amadurecimento e heroísmo de Enja, uma elfa que através de várias aventuras e desafios, se torna uma figura emblemática e protetora de Elfland. Cada capítulo do álbum destaca uma fase diferente de sua jornada, desde seu nascimento em um ambiente mágico até sua ascensão como uma heroína venerada.

Este é o tipo de disco que ganha força e profundidade quando apreciado como um todo, em vez de ser analisado apenas faixa a faixa. Cada faixa contribui para a construção da narrativa geral e da atmosfera pretendida por Chris Engels, criando uma experiência que é mais do que apenas a soma das suas partes. A progressão das músicas e a forma como se interligam ajudam a criar uma jornada musical épica. Portanto, para aproveitar plenamente a visão criativa e a profundidade do álbum, é essencial ouvir as faixas na ordem em que foram projetadas. Assim os ouvintes podem vivenciar a obra como um todo e imergir na complexidade que Engels imaginou e criou.

O álbum é uma tapeçaria musical rica, diversificada e repleta de ganchos sinfônicos, além de passagens delicadas e momentos explosivos que mantêm o ouvinte envolvido do início ao fim. Cada faixa é muito bem construída para oferecer uma variedade de texturas e dinâmicas que refletem a habilidade de Engels como multi-instrumentista. Esses elementos sinfônicos são entrelaçados com segmentos sutis que proporcionam momentos de introspecção e suavidade e que criam um contraste interessante e enriquecedor dentro do álbum.

O disco oferece uma variedade impressionante de momentos intensos e emocionais combinados com uma musicalidade intrincada e sofisticada. Os momentos intensos são marcados por arranjos poderosos e dinâmicas grandiosas, o que gera uma sensação de drama e urgência. Esses picos emocionais são contrastados por passagens mais suaves e atmosféricas. A musicalidade intrincada é um dos pontos fortes do álbum, com estruturas complexas e detalhes minuciosos que revelam novas camadas a cada audição.

O álbum também se destaca por sua habilidade em manter uma coerência musical constante e alinhada com a narrativa que atravessa cada faixa. A coerência musical é evidente na maneira como os arranjos, melodias e dinâmicas são integrados às vozes. Cada faixa contribui para a construção do enredo, com a música evoluindo de forma orgânica para acompanhar o desenvolvimento da história. Enquanto isso as transições entre diferentes seções e momentos são feitas com destreza e garantem que a experiência auditiva se mantenha fluida e coesa.

Por fim, exceto pelo baixo e as partes com vocais femininos, Chris é o responsável por tocar todos os instrumentos do disco, mostrando um talento incrível. Mas The Story of Enja não é apenas uma demonstração do talento individual de Engels, mas também uma grande experiência musical. A narrativa envolvente e as composições intrincadas se unem muito bem para criar uma obra que é ao mesmo tempo coesa e multifacetada.

NOTA: 9/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. Intro - 2:04
2. Born in the Enchanted Forest - 4:05
3. Encounter with the Elven Prince - 5:52
4. The Quest for the Crystal Flower - 6:10
5. The Rescue of the Moonstone Dragon - 5:07
6. The Dance of the Will-o´-the-Wisps - 5:37
7. The Guardian of the Ancient Oak - 6:07
8. The Melody of the River Sprite - 6:12
9. The Guidance of the Ancient Druid - 5:42
10. The Triumph of the Elven Heroine - 6:35

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50 anos de: Minas - Milton Nascimento (1975)

 

Sempre que penso em um disco fora de série do Milton Nascimento, o primeiro nome que me vem à mente é Clube da Esquina. Não é por acaso, afinal, eu o considero uma das maiores obras-primas da história da música mundial. No entanto, acredito ser igualmente importante lembrar de outros álbuns emblemáticos do nosso querido Bituca. Minas, por exemplo, que em 2025 fará 50 anos é um desses trabalhos que merecem destaque, pois também é uma joia lapidada durante o período mais criativo de sua carreira e que é carregada de sutilezas e profundidade do começo ao fim. 

Reduzir a música de um álbum como Minas a apenas MPB seria um simplismo que não faz jus à sua grandeza. Sua estrutura intrincada revela de forma notável a fusão de elementos de jazz com toques sutis e preciosos de rock progressivo. Essa combinação não é apenas um detalhe técnico, mas evidencia o coração pulsante do disco e que é um dos seus maiores trunfos. A genialidade de Minas reside no equilíbrio magistral entre o experimental e o popular, criando uma sonoridade que transcende rótulos e se afirma como uma expressão musical bastante original. 

Cada arranjo foi tratado com um cuidado quase artesanal, com Wagner Tiso assumindo a direção musical em grande parte do disco. No entanto, o brilho do álbum também se deve à presença de uma constelação de talentos que participaram do projeto. Nomes como Beto Guedes, Nelson Angelo, Toninho Horta, Paulinho Braga, Novelli, entre outros, contribuíram para dar vida a Minas, com cada um deixando sua marca.

Liricamente, as músicas exploram uma rica variedade de temas, transitando com delicadeza entre reflexões sobre liberdade, amor, meio ambiente, nostalgia e os conflitos intrínsecos à condição humana. Porém, é a profundidade emocional e a sensibilidade poética com que abordam questões universais que merecem o maior destaque no disco. Muitas vezes, as letras combinam metáforas bem elaboradas até mesmo com críticas sociais sutis.

A faixa título inicia o disco é uma verdadeira joia que é enriquecida por belíssimas harmonias vocais que parecem flutuar sobre cada nota. Introspectiva, ela se destaca por sua de música regionalista e sutis acenos ao jazz, tendo como resultado uma peça de atmosfera delicada e ao mesmo tempo profundamente evocativa. “Fé Cega, Faca Amolada” possui um ritmo vibrante e contagiante que contrasta com a profundidade reflexiva de sua letra. A canção aborda os percalços da vida e traz uma crítica incisiva à falta de discernimento e aos perigos de seguir caminhos sem reflexão. A interpretação de Milton parece carregar uma sensação de urgência, como se fosse um chamado à consciência. Musicalmente se destaca pela densidade de sua sonoridade que flerta com um peso incomum dentro do contexto do álbum, sendo sustentada por uma melodia rica em camadas. 

“Beijo Partido”, por meio de uma melodia suave e delicada, Milton canta em um tom melancólico o sentimento agridoce de perda e despedida. Os arranjos capturam com perfeição a dualidade entre a beleza e a tristeza de um amor não correspondido. A letra na interpretação de Milton tornando-se um dos momentos mais emotivos do álbum. Uma prova do talento de um dos maiores - para mim o maior - nomes da música brasileira. “Saudade dos Aviões da Panair” é daquelas canções que despertam um profundo sentimento de nostalgia. Com uma atmosfera simples e aconchegante a peça parece abraçar o ouvinte com um sentimento de doçura e melancolia. Sua melodia delicada e despretensiosa intensifica essa conexão emocional.

“Gran Circo” é uma das faixas mais experimentais do disco. As vocalizações de Fafá de Belém pontuando momentos cruciais da música são um deleite que tem a capacidade de adicionar uma enorme camada de beleza e intensidade emocional e que eleva a composição. Uma música que transita brilhantemente entre o incomum e o sublime. “Ponte de Areia” é uma música que encanta com sua melodia suave e cativante. Sua harmonia plácida envolve delicadamente o ouvinte, enquanto o vocal emotivo de Milton imprime vida por meio de um lirismo tocante. No geral é uma exímia combinação entre simplicidade e profundidade e que mais uma vez prova o talento incomparável de Milton em transformar emoções em música.

“Transtevere”, quando as influências jazzísticas e a música brasileiro se abraçam e “dançam” em perfeita harmonia. A faixa exala uma atmosfera envolvente de mistério. Seu nome é uma referência ao icônico bairro de Roma. Tudo isso acaba tendo a capacidade de transmitir imagens de um encontro cultural onde tradição e modernidade se encontram em um delicado equilíbrio sonoro. “Idolatrada” direciona o disco para um clima mais edificante por meio de um ritmo mais animado, cheio de energia e repleto de vitalidade. Enquanto isso, oferece uma reflexão sobre a idealização do ídolo e traz uma perspectiva mais humana e realista. 

“Leila (Venha Ser Feliz)” traz uma melodia divertida e apaixonante e que se expande de forma envolvente à medida que a música se desenvolve. A letra, embora simples e repetitiva – centrada basicamente no título –, consegue transmitir uma sensação de acolhimento e convite. Mesmo em sua simplicidade, a canção é uma celebração calorosa da felicidade e do afeto. “Paula e Bebeto”, graciosa e melancólica narra a história de um casal que vive um amor alvoroçado. Os arranjos são muito bem trabalhados e criam uma atmosfera de introspecção e reflexão. É uma peça que fala de amor em sua forma mais humana, enquanto entrelaça beleza e fragilidade.

“Simples” encerra o álbum brilhantemente, proporcionando um desfecho pacífico, sereno e profundamente significativo. Com uma sonoridade serena e intimista, a música celebra a beleza que reside nas pequenas coisas da vida. Soa como um convite ao ouvinte para desacelerar o ritmo e apreciar a simplicidade, fechando o disco com uma mensagem de quietude e contemplação.

Enfim, Minas é um disco de sensibilidade rara, onde cada detalhe foi extremamente pensado para criar uma obra atemporal. Nada está fora do lugar e cada elemento se complementa de maneira harmoniosa e que resulta em um dos trabalhos mais emblemáticos de toda a MPB. Mais do que uma simples coleção de músicas, o álbum se apresenta como uma experiência quase terapêutica, além de uma jornada contemplativa e acolhedora que envolve o ouvinte de forma sublime. Minas é a arte da música em seu estado mais puro.

NOTA: 10/10

Gênero: MPB, Jazz

Faixas:

1. Minas - 2:31
2. Fé Cega, Faca Amolada - 4:37
3. Beijo Perdido - 3:49
4. Saudade dos Aviões do Panair - 4:28
5. Gran Circo - 4:09
6. Ponta de Areia - 4:32
7. Transtevere - 4:25
8. Idolatrada - 4:45
9.. Leila (Venha Ser Feliz) - 3:29
10. Paula e Bebeto) - 2:15
11. Simples - 2:11

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

sábado, 4 de janeiro de 2025

Opeth - The Last Will and Testament (2024)

 

Sou um grande admirador do Opeth, mas preciso admitir que seu novo álbum, The Last Will and Testament, me pegou completamente desprevenido. Sem eu saber de qualquer anúncio prévio, acordei e me deparei com uma enxurrada de críticas nos principais sites de rock progressivo. Para minha surpresa, quase todas eram unânimes em elogiar a obra, destacando sua qualidade e criatividade. É impressionante como o Opeth consegue se reinventar com tamanha maestria, mantendo a essência que o torna tão especial para os fãs.

Este novo trabalho é um disco conceitual, algo que a banda não explorava desde Still Life em 1999. Segundo Mikael Åkerfeldt, houve uma influência na série Succession para criar a narrativa que gira em torno de uma reunião familiar convocada para a leitura do testamento de um patriarca, revelando os dramas humanos que emergem nesse cenário. Conflitos, segredos e tensões ganham destaque enquanto os personagens lidam com questões como ganância, traição, amor, perda e os efeitos das escolhas passadas. Mais do que dividir bens materiais, a leitura do testamento traz à tona verdades sombrias, alterando para sempre as relações entre os presentes. Diferente de histórias com temas sobrenaturais ou fantasiosos, o álbum aposta em um enfoque mais realista.

Musicalmente, The Last Will and Testament é um equilíbrio perfeito entre as fases mais pesadas e progressivas do Opeth. O álbum conta ainda com colaborações notáveis, como a participação de Ian Anderson, cuja narração e solos de flauta enriquecem a experiência. Cada faixa reflete o estado emocional ou o avanço da trama, tornando o álbum quase uma experiência cinematográfica. O epílogo, com um toque agridoce, sugere que, apesar das revelações, nem todos os personagens encontram redenção ou paz, deixando no ar uma sensação de inquietação que ressoa com a profundidade da história.

"§1", a introdução é marcada por um clima sombrio, com o som de passos ecoando e o ranger de uma porta que se abre, prenunciando o que está por vir. A música emerge de uma atmosfera sombria e misteriosa, crescendo rapidamente para uma explosão frenética de riffs pesados e uma densidade sonora impressionante. Mikael Åkerfeldt entrega vocais cheios de fúria e intensidade, mas também há momentos de contraste, onde linhas melódicas se entrelaçam, criando uma rica tapeçaria emocional. Um excelente começo de disco. 

"§2" inicia de forma delicada, com suaves notas de órgão que evocam uma atmosfera introspectiva e quase etérea. No entanto, essa calmaria logo dá lugar a uma sonoridade poderosa e impactante, onde a banda, mais uma vez, demonstra sua habilidade em transitar entre passagens melódicas e explosões de agressividade. Enriquecendo ainda mais a composição, narrativas faladas por Ian Anderson e Joey Tempest (Europe) adicionam camadas de profundidade, elevando a experiência sonora.

"§3", desde os primeiros acordes, a faixa apresenta uma abordagem distinta em relação às anteriores, evidenciando uma estrutura marcada pela alternância de tempos e assinaturas rítmicas intrigantes. Em contraste com a intensidade que permeia as anteriores, esta se destaca por uma fluidez mais contida e uma construção mais suave. À medida que a composição avança, parece se encaminhar para um desfecho climático, mas surpreende ao escalar em intensidade apenas para encerrar de maneira abrupta.

"§4", esta faixa abriga um dos meus riffs de guitarra favoritos de todo o disco e que ganha ainda mais força ao ser sustentado por uma seção rítmica sólida e teclados muito bem construídos. O interlúdio é um momento de brilhantismo a parte, começando de forma suave, com uma atmosfera sombria e conduzido pela flauta mágica de Ian Anderson. Aos poucos, essa passagem cresce em intensidade, atingindo um ápice de explosividade e agressividade antes de retornar de maneira magistral ao riff de guitarra inicial, encerrando assim, o ciclo com perfeição. 

"§5", preserva a intensa carga emocional de sua antecessora, mas segue por caminhos próprios, onde a banda demonstra uma clara ousadia técnica. Aqui, a banda brinca com assinaturas rítmicas mais complexas e mudanças abruptas de tonalidade que pode querer surpreender o ouvinte a cada instante. O destaque vai para os solos intrincados e as passagens instrumentais elaboradas, que parecem intencionalmente projetadas para evocar uma sensação de caos controlado e imprevisibilidade, mantendo o ouvinte sempre à beira da expectativa.

"§6", inicialmente envolve o ouvinte com suavidade. No entanto, essa calmaria inicial logo dá lugar a uma explosão de intensidade, uma transição que impressiona pela sua força. A energia do som se combina com uma melodia que pulsa, quase como se estivesse viva. Conforme a música avança, os vocais se erguem com uma intensidade avassaladora, rasgando a paisagem sonora como o impacto devastador de uma colisão de dois trens. Destaque também paras os dois solos viscerais da música, um de sintetizador e o outro de guitarra, mostrando que o talento de Åkerfeldt não está apenas em seu canto. 

"§7" novamente exemplifica com elegância a capacidade da banda de alternar entre atmosferas etéreas, quase oníricas, e explosões intensas de agressividade, criando uma experiência imprevisível. Åkerfeldt conduz essa jornada com maestria, sua voz oscilando entre guturais potentes, que evocam força e brutalidade, e passagens limpas, carregadas de uma emoção tocante que revela uma dualidade fascinante. O ápice da faixa chega com o tema final, marcado por uma linha sinfônica grandiosa, que não apenas amplifica o drama, mas também encerra a peça com um grande peso emocional.

"A Story Never Told" encerra o disco de forma marcante, com uma abordagem introspectiva que evoca as atmosferas de trabalhos como Pale Communion e Sorceress. Os arranjos cristalinos e bem construídos criam uma sensação de transparência e leveza, enquanto os vocais limpos e emotivos de Åkerfeldt adicionam um toque de vulnerabilidade à música. A faixa se desenrola como uma contemplação final, envolvendo o ouvinte em um clima de reflexão e melancolia sutil. É um encerramento emocionante, que não apenas completa o álbum, mas também deixa uma impressão duradoura, permanecendo no ouvinte muito além de seus últimos acordes.

The Last Will and Testament é um exemplo sublime da fusão entre o peso visceral do metal e a complexidade envolvente do progressivo. As influências clássicas da banda se entrelaçam com excelentes experimentações, dando vida a um panorama sonoro que se desdobra de forma profundamente teatral e como a história pede. O álbum captura com perfeição tanto a brutalidade quanto a beleza e a sofisticação da narrativa que o conduz, equilibrando força crua e elegância melódica em um verdadeiro deleite auditivo. E o ouvinte? Ele é conduzido como parte integrante dessa experiência, imerso em cada detalhe emocional e técnico que permeia suas oito faixas, podendo absorver camadas de som e significado a cada nova audição.

NOTA: 10/10

Gênero: Metal Progressivo, Death Metal

Faixas:

1. §1 (6:11)
2. §2 (5:40)
3. §3 (5:11)
4. §4 (7:05)
5. §5 (7:35)
6. §6 (6:16)
7. §7 (6:28)
8. A Story Never Told (7:10)

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Caligula’s Horse - Charcoal Grace (2024)

 

Os australianos do Caligula’s Horse chegam ao seu sexto álbum, Charcoal Grace, trazendo uma surpresa não apenas em sua formação, mas também na profundidade emocional e musical do trabalho. Após a saída do guitarrista Adrian Goleby, a banda decidiu seguir como um quarteto, composto por Jim Grey nos vocais, Sam Vallen na guitarra, Dale Prinsse no baixo e Josh Griffin na bateria. A decisão de dispensar a guitarra rítmica, que esteve presente em todos os outros cinco álbuns da banda, marca uma nova fase criativa.

Embora Charcoal Grace só tenha sido lançado no final de janeiro de 2024, a sua concepção começou em 2020. Após o lançamento de Rise Radiant e a interrupção das turnês devido à pandemia, a banda aproveitou o tempo para compor. O resultado é um álbum que reflete uma profunda carga melancólica e introspectiva que captura o impacto da pandemia e oferece uma experiência rica em contrastes entre o obscuro e o luminoso. Como Jim Grey descreve, Charcoal Grace nasce da desesperança estática que a pandemia impôs à banda e ao mundo. É um álbum que avalia as experiências e resultados desse tempo, avançando em direção a um futuro mais esperançoso após lidar com o maior revés que a banda já experimentou.

A faixa de abertura, "The World Breathes with Me", com seus 10 minutos, estabelece o tom do álbum com uma introdução de guitarra sutil que evolui para uma explosão de peso, embora de maneira um pouco mais suave do que o habitual para o grupo. A música é marcada por constantes mudanças e um desenvolvimento cuidadoso dentro de uma paleta de cores que vai das mais sombrias às mais luminosas, sempre bem orientada. "Golem" é a faixa mais pesada e direta do álbum, com riffs impressionantes de guitarra e uma seção rítmica dinâmica. Os vocais são polidos nos versos e enérgicos nos refrãos, trazendo uma carga emotiva que convida o ouvinte a cantar junto.

O epicentro do álbum é a faixa título, dividida em quatro partes que totalizam cerca de 24 minutos de uma jornada musical impressionante. "Charcoal Grace I: Prey", a maior das partes, começa com arpejos de guitarra e evolui para uma atmosfera sólida e quase orquestral, com vocais melódicos que adicionam uma harmonia triste à peça. A música é uma combinação equilibrada de agressividade e suavidade, enquanto entrega um refrão cativante. "Charcoal Grace II: A World Without" inicia com arpejos de violão e gradualmente se constrói com notas de guitarra e bateria, criando um ambiente enérgico e sussurrante. O solo de guitarra é um destaque que eleva a faixa a um novo nível. 

"Charcoal Grace III: Vigil" é a parte mais suave do épico, começando com violão, voz e notas suaves de baixo. A música mantém uma constante emotiva e sutil, tanto instrumentalmente, quanto nos vocais, sem explodir como se poderia esperar. "Charcoal Grace IV: Give Me Hell" é a parte mais sombria e intensa, com uma seção rítmica pulsante, uma guitarra poderosa e vocais carregados de raiva, incluindo um solo de guitarra matador. As quatro partes de "Charcoal Grace" exploram a narrativa da convivência – ou a falta dela – entre uma criança e seu pai. A forma como a história se desenvolve é reminiscente dos trabalhos mais conceituais do Marillion, especialmente Brave, e a música reflete as variações emocionais da narrativa.

Após o épico, "Sails" oferece um respiro com sua beleza melancólica e dramática. É uma das baladas mais impressionantes da banda, destacando-se como talvez o momento mais emocionante do álbum. "The Stormchaser" é uma faixa equilibrada e um dos singles do álbum e que resume bem a essência da obra como um todo por meio de excelentes linhas vocais. O álbum se encerra com "Mute", uma faixa que demonstra a maestria vocal de Jim Grey e apresenta uma sonoridade enérgica e orquestral. Com 12 minutos de duração, a música oferece uma montanha-russa de emoções, desde momentos pesados até outros suaves e reflexivos. O uso de flauta, reminiscente do Genesis da era Peter Gabriel, é uma surpresa agradável e um detalhe que enriquece ainda mais o disco.

Charcoal Grace é um dos álbuns mais marcantes do catálogo do Caligula’s Horse, mostrando que mesmo dentro de um nicho onde inovações são cada vez mais raras, a banda consegue entregar um trabalho fresco e emocionante. Um álbum tocante, com músicas sagazes, bem construídas e verdadeiramente progressivas.

NOTA: 9.3/10

Gênero: Metal Progressivo

Faixas:

1. The World Breathes with Me - 10:00
2. Golem - 5:20
3. Charcoal Grace I: Prey - 7:48
4. Charcoal Grace II: A World Without - 6:48
5. Charcoal Grace III: Vigil - 3:22
6. Charcoal Grace IV: Give Me Hell - 6:13
7. Sails - 4:31
8. The Stormchaser - 5:57
9. Mute - 12:00

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Kacey Musgraves - Deeper Well (2024)

 

Kacey Musgraves é uma jovem cantora, compositora e musicista americana nascida em Golden no estado do Texas e que consegue captar bem a essência musical do seu estado para desenvolver sua música. Apesar do seu reconhecimento dentro da música country já ser algo consolidado, sua música também abraça outros gêneros como pop e folk e que a fazem soar mais distinta e menos genérica. Outro ponto interessante dentro da esfera musical de Musgraves são suas letras inteligentes que abordam temas como amor, vida no interior dos Estados Unidos e até mesmo algumas críticas sociais.

As influências de Kacey também é algo notável, variando nomes que vão desde os de ícones do country tradicional como Dolly Parton e Loretta Lynn, se estendendo até os contemporâneos como John Prine e Willie Nelson. Entretanto, para demonstrar uma compreensão e apreciação pela música em sua totalidade, ela ainda cita influência em nomes que vão além do country, como The Beach Boys, Beatles, Neil Young e Imogen Heap. Uma ampla gama de influências sempre refletiu de forma positiva na música de Musgraves.

Em Star-Crossed, disco anterior da artista, ela usa uma referência ao conceito de amores impossíveis e à tragédia que muitas vezes acompanha esses relacionamentos. Musgraves usa essa ideia como ponto de partida para explorar sua própria jornada pessoal de separação e cura após o fim de seu casamento com Ruston Kelly. Enquanto isso, embora a ideia em Deeper Well ainda possa mostrar Kacey aberta a mexer em seu passado, ela o faz sem ressentimentos, enquanto avança com uma abordagem mais cuidadosa do que antes.

"Cardinal" é a música de abertura. Mostra Kacey dentro de uma vibração que pode ser associada facilmente ao Fleetwood Mac, além disso, adiciona alguns ótimos floreios de violão folk onde ela consegue manter a peça envolvente do começo ao fim, enquanto canta sobre o encontro com um cardeal, pássaro símbolo de esperança e conforto em um momento de dor e incerteza, neste caso, o luto provocado pela perda de alguém.

"Deeper Well", um bonito trabalho de violão sob os vocais serenos de Kacey anunciam uma peça sobre o amadurecimento e crescimento pessoal, além de uma busca por uma vida mais autêntica e significativa enquanto se afasta de influências negativas. Ainda conta com algumas batidas pontuais, mas se mantem sempre dentro de uma abordagem pastoral. "Too Good to be True" mantém a sutileza deixada pela peça anterior, mas agora, com uma abordagem focada no quão difícil pode ser lidar com as emoções humanas quando o que está em jogo é o amor e a intimidade. A melodia é bonita, principalmente nas incursões de flauta – que poderia ter acontecido mais vezes - e fica mais forte a partir de sua segunda metade, mas sem perder a delicadeza padrão. A música também interpola com "Breathe (2AM)" de Anna Nalick.

"Moving Out" mostra Musgraves cantando sobre o quanto pode ser difícil partir e deixar um lar cheio de lembranças com altos e baixos, enquanto visa seguir em frente e criar novas lembranças em um outro lugar. "Giver / Taker" é bastante emocional e mostra como a pessoa pode ficar vulnerável ao amar intensamente, porém, sem a certeza de uma reciprocidade, gerando entre outros sentimentos, o da insegurança.

"Sway" tem um dos refrãos mais melancólicos e musicalmente agradáveis de todo o álbum. Violão, percussão e teclados paisagistas desenham um cenário musical sob uma mensagem onde é abordado a importância de se manter em equilíbrio, mesmo diante das dificuldades e assim se adaptando da melhor forma às circunstâncias. "Dinner with Friends", quem às vezes não se pega pensando em alguns momentos nostálgicos de sua vida? Kacey mostra que valorizar detalhes é um dos pontos que podem tornar a vida tão especial e o quanto é importante apreciar isso. O violão tem sua melodia enriquecida por algumas belas notas de piano, enquanto a seção rítmica desfila delicadamente e colocando um pouco mais de pulso à peça.

"Heart of the Woods", achei muito interessante Musgraves usar a natureza como um símbolo de comunidade e proteção mútua, e a partir disso, trazer isso como um exemplo a ser seguido na nossa sociedade, onde devemos cuidar uns dos outros. "Jade Green", por meio de uma levada quase dançante, liricamente Kacey canta um desejo de segurança emocional e proteção, usando a pulseira que dá nome à música.

"The Architect" é a canção country mais tradicional do álbum e também a minha preferida, sendo a única que não foi escrita pelo trio, Kacey, Daniel Tashian e Ian Fitchuk, sendo uma parceria da cantora com Shane McAnally e Josh Osborne. Ao querer "falar com o arquiteto", Kacey expressa uma busca humana por respostas sobre a origem da vida, o universo e o nosso propósito dentro dele.

"Lonely Millionaire", tem quem diga que a felicidade pode ser comprada com dinheiro ou bens materiais, mas há quem discorde disso, sendo essa segunda visão a explorada na música, com Musgraves cantando sobre a importância das conexões humanas e da simplicidade na busca pela felicidade. "Heaven Is", de maneira delicada, Kacey entrega uma visão sobre a verdadeira felicidade e o paraíso, onde ambos podem ser encontrados no amor compartilhado, nos olhares trocados e na conexão íntima com outro ser humano.

"Anime Eyes", imagine ser transportado para um mundo onde o amor é tão poderoso que transforma a maneira como se vê tudo, pois é, de uma forma doce e única, é exatamente isso que Kacey tenta passar. "Nothing to be Scared Of" é a faixa de encerramento, trazendo uma mensagem sobre encontrar conforto e força nos braços de alguém que você ama. Há uma sensação de vulnerabilidade e autenticidade nas palavras, especialmente na ideia de desfazer as bagagens juntos, compartilhando não apenas as alegrias, mas também os fardos da vida.

"Deeper Well" é um álbum que emana uma suavidade cativante, mas ao mesmo tempo, celebra a rica complexidade da experiência humana, oferecendo uma gama de ritmos refrescantes, como uma brisa suave em meio ao tumulto do cotidiano. Conforme o ouvinte vai explorando suas faixas, ele também é envolvido por uma sensação de familiaridade reconfortante, como se o disco despertasse um sentido onde sensações há muito tempo esquecidas passassem a ser redescobertas. Deeper Well é um álbum bastante intimista e que nos convida para um mergulho nas profundezas de nossa própria existência.

NOTA: 7.8/10

Gênero: Country, Pop, Folk

Faixas:

1. Cardinal - 3:11
2. Deeper Well - 3:52
3. Too Good to be True - 2:40
4. Moving Out - 3:09
5. Giver Taker - 3:10
6. Sway - 3:11
7. Dinner with Friends 02:57
8. Heart of the Woods - 2:16
9. Jade Green - 2:58
10. The Architect - 2:57
11. Lonely Millionaire - 3:06
12. Heaven Is - 2:44
13. Anime Eyes - 3:18
14. Nothing to be Scared Of - 2:33

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

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