Acredito que seja importante começar esta resenha reconhecendo que o álbum não correspondeu totalmente às minhas expectativas. No entanto, isso não se deve a uma decepção com a qualidade do trabalho, mas sim ao fato de que eu esperava algo pelo menos um pouco mais arrojado, digamos assim. Muito provavelmente diante do tão aguardado retorno de Mike Portnoy eu tenha criado a expectativa de uma reinvenção ou de um recomeço significativo para a banda. No entanto, o que se percebe ao longo do disco é uma abordagem sonora já vista em outrora - o que não tira a sua qualidade -, como se o grupo tivesse optado por seguir exatamente de onde haviam parado desde a saída de Portnoy, sem buscar uma mudança expressiva ou um retorno a um passado mais distante - entenda isso como Scenes... para trás.
Mas apesar de não ser exatamente o que eu esperava, o álbum ainda mantém a identidade da banda e apresenta bons e ótimos momentos, mesmo sem trazer mudanças significativas. Um detalhe que me chamou a atenção logo de início foi a capa, cuja arte sombria remete imediatamente a Train of Thought, que para mim é o disco mais pesado da banda. Essa escolha visual não apenas evoca a atmosfera densa daquele álbum, mas também pode sugerir uma intenção de resgatar parte daquela sonoridade mais agressiva.
Parasomnia é um álbum conceitual que se aprofunda nos enigmas dos distúrbios do sono, explorando fenômenos como sonambulismo, paralisia do sono e terrores noturnos. O guitarrista John Petrucci explicou que o termo "parasomnia" se refere a condições que perturbam o repouso noturno, muitas vezes resultando em episódios de comportamento involuntário durante o sono. Ele destacou também que a escolha do tema pareceu natural para a banda, comentando: "Nosso nome significa literalmente 'um teatro que ocorre enquanto você sonha', então é surpreendente que nunca tenhamos explorado essa ideia antes." Embora o álbum não siga uma narrativa linear como em discos conceituais clássicos, cada faixa aborda um aspecto distinto desses distúrbios - como em Six Degress... e os transtornos mentais -, formando uma jornada sonora que investiga os mistérios da mente adormecida.
"In the Arms of Morpheus", a faixa de abertura é completamente instrumental e cumpre a função de estabelecer o tom do álbum com uma introdução atmosférica e sombria que gradualmente se transforma em algo mais intenso e enérgico. A partir daí a banda imerge o ouvinte por meio de riffs pesados de guitarra complementados por um teclado etéreo é uma base sólida da bateria e baixo que criam uma atmosfera envolvente. A faixa no geral é uma demonstração de interação entre músicos que dominam seus instrumentos perfeitamente, ou seja, o Dream Theater que todos nós conhecemos.
"Night Terror", lançada como o primeiro single do álbum a faixa combina tempos complexos com boas melodias. Por meio de invertidas virtuosas tanto Petrucci quanto Jordan constroem uma paisagem sonora intrincada que evoca uma sensação de um pesadelo vívido e que oscila entre momentos de tensão e catarses instrumentais, transmitindo dessa forma uma atmosfera bastante intensa. A seção rítmica mais uma vez não se limita a servir de apoio, ela também oferece uma base sólida e dinâmica que sustenta toda a complexidade da música, tornando-a uma peça bem equilibrada.
“A Broken Man”, também lançado como single, começa bombardeando a cabeça do ouvinte com sua intensidade triturante. No geral apresenta uma estrutura dinâmica que alterna entre momentos pesados e outros um pouco mais leves, porém, sem perder a tensão que a permeia. Aos 6 minutos aproximadamente, a banda faz uma transição interessante para uma sonoridade que evoca o clima de bandas clássicas como o Deep Purple. Nesse trecho, Petrucci entrega um solo de guitarra que poderia facilmente ser confundido com algo de Richie Blackmore, trazendo uma energia nostálgica e uma pegada mais retrô, sem perder a assinatura técnica do guitarrista. Esse momento em especial da música foi muito interessante, mostrando uma capacidade da banda em mesclar influências do passado com sua identidade única.
"Dead Asleep" é uma das faixas mais longas do disco e sua extensão permite que ela explore mudanças dinâmicas significativas ao longo de sua execução. A música se desenvolve dentro de uma espécie de montanha-russa emocional que reflete a natureza inquietante de seu tema. A interação entre guitarra e teclado é notável como sempre, pois se entrelaçam de uma forma que criam texturas sonoras complexas e envolventes. Ao mesmo tempo, a bateria e o baixo garantem a coesão rítmica da peça ao manter uma base sólida que sustenta as mudanças da composição. No geral, a música reflete com precisão a temática do álbum por meio de sua estrutura musical servindo como uma metáfora sonora para as inquietações e os turbilhões do subconsciente.
"Midnight Messiah" combina grooves pesados com melodias envolventes. A performance vocal do Labrie é ao mesmo tempo assertiva e melódica e cria uma conexão profunda com a música. A seção instrumental no meio da faixa possui uma dinâmica bem equilibrada e cheia de energia, porém, o clímax desse trecho ocorre com um solo de teclado impressionante, que não só exibe habilidade técnica, mas também contribui para a construção emocional da música. Em alguns momentos, é fácil perceber um aceno para "As I Am", tanto na sonoridade quanto na abordagem da composição, o que traz uma sensação de familiaridade.
"Are We Dreaming?" funciona como um interlúdio atmosférico que oferece uma breve pausa na intensidade das faixas anteriores. Com texturas etéreas e camadas de sons ambientais ela cria uma sensação de introspecção como se estivesse querendo demonstrar uma espécie de transição entre diferentes estados de consciência.
Bend the Clock é a balada do disco, apresenta uma introdução suave e melancólica por meio de alguns acordes limpos de guitarra e um piano atmosférico que cria um clima introspectivo. Vejo muitas vezes questionarem a voz do Labrie, mas uma coisa é indiscutível, ele sabe entregar performances emocionais em músicas dessa natureza, no caso, enfatizando a vulnerabilidade da letra sobre alguém em um estado de sofrimento psicológico intenso, possivelmente relacionado à paralisia do sono, depressão ou um trauma recorrente. Conforme a música avança, há um crescimento gradual na instrumentação que culmina em um solo melódico e belíssimo de guitarra que adiciona um tom épico ao final da música.
“The Shadow Man Incident", com seus quase 20 minutos de duração, é o épico responsável por encerrar o disco. A faixa explora o conceito de Hat Man, uma figura enigmática associada a lendas urbanas e frequentemente mencionada em relatos de paralisia do sono, pesadelos, experiências com drogas e encontros sobrenaturais. A música se inicia com uma ambientação etérea e misteriosa evocando um clima onírico e perturbador. Essa calmaria inicial logo é rompida por um riff de guitarra pesado sustentado por uma seção rítmica poderosa. Após essa explosão sonora a faixa se silencia momentaneamente, preparando o terreno para a entrada dos vocais de James LaBrie que surgem de forma melódica sobre uma base mais contida.
À medida que a canção avança a sua energia cresce e os vocais se tornam mais intensos, contrastando com o refrão de caráter mais melódico em um dos seus capítulos. Em seguida, a música mergulha em uma passagem instrumental que evidencia a marca registrada da banda: uma exibição impressionante de técnica. Esse trecho inclui um solo inquietante de piano, um solo de guitarra furioso e frenético, além de uma seção rítmica repleta de variações e ritmos quebrados. Após essa tempestade instrumental, os vocais de LaBrie retornam em uma abordagem mais melodiosa, conduzindo a música até seu desfecho. O encerramento da peça é marcado por uma atmosfera envolvente e um belo solo de guitarra que traz um fim marcante a uma jornada musical intensa.
No fim, mesmo sem grandes surpresas é evidente que a banda está com um espírito renovado. A presença de Mike Portnoy é extremamente perceptível ao longo de todo o disco, influenciando não apenas a energia das composições, mas também a dinâmica e a intensidade da execução de cada uma de suas oito faixas.
É inegável que se trata um trabalho muito bem planejado em todos os aspectos. A arte de tonalidade taciturna e a sonoridade agressiva - possivelmente a mais pesada desde Train of Thought - conferem ao álbum uma identidade marcante. Além disso, a fluidez entre as faixas, a maneira como as melodias e harmonias se conectam e a construção de paisagens sonoras misteriosas ocorrem de forma coesa e envolvente.
Sendo assim, por meio de Parasomnia é dado o início de mais um capítulo na história da maior banda de rock progressivo de todos os tempos.
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