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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Magnum - Here Comes The Rain (2024)

 


Magnum é uma banda inglesa de hard rock que eu sempre achei bastante subestimada, pois ainda que em seus mais de duas dezenas de discos, nunca tenha lançado uma obra-prima, sempre entregou discos muito bons e acessíveis até para aqueles que não são muito chegado no gênero, pois eles também carregam uma clara atmosfera AOR, principalmente por conta da maioria dos seus refrãos, que considero impossível de ouvir e depois não se pegar cantarolando alguns deles mesmo sem perceber. Se existem alguns álbuns que foram feitos para serem apreciados de uma maneira despretensiosa, com certeza, Here Comes the Rain é um deles, não cobre ou espere tanto, apenas deixe as músicas fluírem e aproveite.

A banda foi fundada por Tony Clarkin (guitarra e único letrista) e Bob Catley (vocal), inclusive, são os únicos que estiveram em todos os álbuns da banda, porém, 5 dias antes do lançamento do disco, Clarkin faleceu pacificamente na sua casa devido a uma curta doença. Mas no mês anterior, a banda havia revelado que ele foi diagnosticado com uma rara doença na coluna, o que provocou o cancelamento da turnê da primavera de 2024. Além de Tony e Bob, o disco ainda conta com Rick Benton (teclados), Dennis Ward (baixo) e Lee Morris (bateria) para que seja criado uma coleção de peças sólidas, por meio de habilidades melódicas cativantes e instrumentações muito boas.

Dificilmente a banda vai seguir sem Clarkin, com isso e mesmo que não fosse a ideia inicial, Here Comes The Rain provavelmente será o epitáfio da banda, um último ato para que o guitarrista fizesse o que ele mais gostava na vida segundo palavras dele mesmo e que foram ditas antes do lançamento de Here Comes The Rain, No final das contas, não há nada mais satisfatório para um músico do que criar novas músicas que você realmente goste. Um fechar de cortinas digno e autêntico, assim como a banda sempre foi durante os seus 50 anos de carreira.

“Run into the Shadows” inicia o disco de uma forma que é impossível ser mais edificante, tem um excelente trabalho de guitarra, cozinha sólida e teclados muito bem harmoniosos, enquanto que os vocais de Bob entregam aquela vibração AOR característica de sempre. Uma pena não haver mais uma turnê, pois essa música certamente seria usada - brilhantemente - para abrir os concertos da banda. “Here Comes the Rain” esfria o álbum - não no sentido pejorativo, apenas é diferente da incendiária peça de abertura - por meio de uma batida mais leve, ótima linha de guitarra, teclado emulando cordas ao fundo e linhas adequadas de baixo.

“Some Kind of Treachery” é uma balada que pode soar até meio piegas, mas não vou deixar de admitir que apesar disso, atingiu em cheio o meu coração. Começa com algumas notas de piano antes de baixo e bateria ir lhe fazer companhia, então entra o refrão com a banda completa e eu me vejo em um show do grupo balançando as mãos com a lanterna do celular ligada - em outros tempos seria o meu isqueiro. Falando em refrão, com certeza é o destaque da peça, bastante forte e emocional, porém, vale mencionar também os teclados quase orquestrais mais perto do fim.

“After the Silence” começa por meio de um string que vai emergindo para em seguida toda a banda entrar, construindo uma melodia forte, então silencia para que os primeiros versos sejam cantados. Os momentos dos refrãos são os mais enérgicos, nesse momento, o teclado é quem mais se destaca. A faixa vai seguindo basicamente nessa mesma dinâmica - mas com os vocais ficando cada vez mais desenvoltos. 

“Blue Tango”, se eu tivesse que escolher alguma música em Here Comes The Rain para dizer qual a que mais representa o que a Magnum foi durante toda a sua carreira, com certeza seria essa. Mas apesar disso, é impossível não perceber alguns acenos ao southern rock moderno - talvez algo de Lynyrd Skynyrd pós acidente. O solo de órgão, apesar de bem curtinho, deixa a sua marca na peça, assim como o de guitarra que encerra a faixa.

“The Day He Lied!” possui um caráter sombrio que eu gosto bastante, excelentes linhas de guitarra, seção rítmica maciça e teclados que a preenchem por todos os lados, dando à peça uma espécie de ar épico. Uma pausa para algumas notas de piano para então regressar ao tema central foi uma ótima ideia. Por último, mas não menos importantes, os vocais soam com uma emoção verdadeira. “The Seventh Darkness”, logo em seus primeiros segundos a banda já surpreende com o uso de metais, cortesia das participações especiais de Chris 'BeeBe' Aldridge (saxofone) e Nick Dewhurst (trompete). Ainda sobre os metais, eles me lembram um pouco os usados em “Colours” do Phil Collins a partir do seu segundo terço de música. A guitarra é bastante densa e a cozinha é sólida, enquanto que os teclados de certa forma são mais apagados, já que o saxofone e trompete “roubaram” o seu lugar. Se tornou uma das minha músicas favoritas de todo o longo catálogo da banda.

“Broken City”, além de novamente haver uma entrega instrumental muito boa, acho justo mencionar a performance vocal que é a melhor de todo álbum. Inicia com algumas batidas que parecem vir de longe antes que teclados e vocais façam um duo que logo em seguida ganha a companhia do violão, enquanto isso, as notas de baixo são bem discretas e a bateria inexiste. “I Wanna Live”, começa por meio de algumas bonitas notas de piano, mas aos pouco, vai ganhando força até explodir com a entrada da bateria. Aqui a banda entrega aquele seu tipo de som característico, principalmente no refrão que tem o cheiro dos anos 80. Muito melódica, possui um excelente solo de guitarra e outro de teclado - que embora seja bem simples é muito adequado para a música.

“Borderline”, com os seus mais de 6 minutos é a maior música do disco e também a que o encerra. Não sei exatamente se foi intencional, mas essa peça combina não apenas com o final do álbum, mas serve também como um final de história - que imagino que vai acontecer - para a banda. Primeiramente, ela entrega algumas vocalizações influenciada pela música do oriente, mas depois tudo se direciona para um hard rock de batida média. Os vocais soam intensos, as linhas de guitarra - seja base ou solo - são muito boas, assim como as invertidas de teclado que ecoam por todas as paredes da faixa, enquanto que baixo e bateria constroem uma cozinha sólida. Tudo isso, unido ao piano extremamente elegante e que direciona o álbum para o seu final, faz com que Here Comes The Rain termine de forma melancólica, como quem de alguma forma que expor a tristeza de uma perda - embora Clarkin, obviamente, não tivesse morrido ainda durante a composição dela.

Infelizmente, a banda nunca teve o seu reconhecimento e valorização condizente com a oferta de bons discos que eles produziram durante os seus 50 anos de carreira. Para se ter uma ideia, eu dentro do meu anonimato possuo no meu Instagram basicamente o mesmo número de seguidores que a banda. Mas ainda bem que vivemos em uma época que a internet possibilita que justiça seja feita por aqueles que querem fazer justiça - mesmo que tardiamente -, pois todos os discos do grupo - de estúdio e ao vivo - estão em todas as plataformas de streaming, só chegar lá e maratonar todos eles. Resumindo, embora Here Comes The Rain não entregue nenhuma inovação ou qualquer tipo de surpresa - exceto pelo uso de metais em “The Seventh Darkness” -, novamente a banda mostra com muita competência em suas habilidades composicionais, bom gosto para melodias e consistência em todas as 10 faixas do álbum.

NOTA: 7.5/10

Gênero: Hard Rock

Faixas:

1. Run into the Shadows - 5:22
2. Here Comes the Rain - 4:37
3. Some Kind of Treachery - 4:32
4. After the Silence - 4:35
5. Blue Tango - 5:26
6. The Day He Lied - 4:35
7. The Seventh Darkness - 4:44
8. Broken City - 4:40
9. I Wanna Live - 5:29
10. Borderline - 6:16

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Ovrfwrd - There Are No Ordinary Moments (2024)

 

Quando se trata de álbuns instrumentais, sei que muitos ouvintes tendem a não se sentir atraídos, pelo menos é o que percebo ao tentar recomendar esse tipo de trabalho. Confesso que às vezes consigo entender essa resistência, pois um álbum composto exclusivamente por faixas instrumentais pode facilmente soar repetitivo e enfadonho — especialmente para quem não está habituado ao gênero. Nesse caso, o disco pode parecer desprovido de coesão, como se fosse apenas uma coleção de músicas superficiais, sem direção clara, dando a impressão de que os músicos estão vagando sem saber de onde vieram ou para onde vão. No entanto, com There Are No Ordinary Moments, esse não é o caso. Apesar de sua natureza instrumental, oferece uma audição envolvente, mesmo para aqueles menos familiarizados com a música progressiva.

Este é o quinto álbum da Ovrfwrd, que permanece sólida em sua formação, trazendo novamente os mesmos integrantes dos quatro trabalhos anteriores: Mark Ilaug (guitarra), Chris Malmgren (teclado), Kyle Lund (baixo) e Richard Davenport (bateria). Desde o álbum de estreia, percebe-se que a banda tem se tornado cada vez mais entrosada, tocando com uma naturalidade que reflete o impacto instrumental e a sofisticação composicional que já se tornaram características do grupo. Há uma evidente democracia na forma como cada membro contribui com o som, resultando em um disco coeso e bem equilibrado.

Uma das marcas registradas da Ovrfwrd, presente também neste álbum, é a habilidade de transformar desenvolvimentos simples, como os encontrados no blues rock, em peças intricadas que rivalizam com as melhores jam bands. Ao longo de seus quase 70 minutos e que são distribuídos em 10 faixas, a banda explora uma rica tapeçaria de sons e texturas que vão do progressivo clássico ao jazz fusion, passando pela música psicodélica. Cada peça é robusta, mantendo o ouvinte engajado do início ao fim.

A faixa de abertura, “Red Blanket,” começa com uma forte marcação da seção rítmica e uma flauta delicadamente pontuada — executada no teclado. O que surpreende é a linha de trompete que surge logo em seguida, um toque inesperado e brilhante, embora não haja ninguém creditado no instrumento. Talvez seja mais uma intervenção do teclado, mas, de qualquer forma, a ideia ficou muito boa. A faixa tem uma forte tendência jazzística — especificamente jazz rock — com uma seção rítmica rica e cheia de nuances, além de guitarras que alternam entre o peso e a suavidade e teclados que criam uma melodia exuberante ao fundo.

“Eagle Plains” começa de forma etérea, criando uma atmosfera onírica que cativa pela sofisticação. O piano quase clássico, acompanhado por notas espaçadas de baixo e toques sutis de guitarra, prepara o terreno para que a bateria entre em cena e eleve a música a um novo patamar, tornando-a mais vigorosa. Linhas de guitarra bem elaboradas, solos incandescentes de sintetizadores e teclados sinfônicos, sustentados por uma seção rítmica sólida, fazem desta faixa um dos destaques do disco. “The Virtue of...” inicia de maneira sombria, com uma mistura de space rock atmosférico e post rock ambiental. A guitarra inflama a música ao longo de sua extensão, alternando com rajadas de órgão que remetem ao Jon Lord. Baixo e bateria novamente criam uma base pulsante, mantendo a tensão e o interesse do ouvinte.

“Flatlander” é a faixa mais pesada do álbum, flertando com o heavy metal. Aqui a banda entrega um instrumental mais direto, onde todos os instrumentos se unem para criar um ambiente distorcido e agressivo. A música não possui muita variação, então foi acertada a decisão de mantê-la curta, evitando que se prolongasse desnecessariamente. “Tramp Hollow” é outra música com pouca variação, o que pode causar uma leve frustração, já que a banda parece estar preparando o ouvinte para uma mudança de ritmo que nunca chega. No entanto, ainda assim, a faixa tem seus atrativos, com solos de guitarra vibrantes, linhas de baixo pulsantes, bateria sólida e teclados que preenchem bem todos os espaços, culminando em um solo de piano interessante no final.

“Notes of the Concubine” inicia com um violão que poderia muito bem ter saído de um disco de Steve Hackett devido à sua aura clássica. A música assume um tom psicodélico até que algumas notas mais enérgicas de piano anunciam uma mudança de direção, que se concretiza com a entrada dos demais instrumentos. Para aqueles familiarizados com o King Crimson, essa faixa ressoará como as composições mais abstratas e dissonantes da banda. Sombria e angustiante, a música também oferece momentos influenciados pelo jazz de vanguarda.

“Eyota,” com seus quase 13 minutos, é a peça mais longa do álbum. O título homenageia uma cidade de Minnesota, cujo nome deriva de um termo Sioux que significa “o maior.” Nada mais justo, afinal, trata-se do ápice do álbum em termos de composição. O piano abre a faixa, seguido por uma explosão da bateria que introduz elementos de zeuhl nos primeiros três minutos e meio, até que o piano solitário volta a guiar a música para uma direção mais acessível e menos experimental. No geral, é uma faixa que oscila entre momentos agressivos e serenos, mas sempre dentro de uma atmosfera sinistra, onde as teclas se destacam como o grande trunfo da peça.

“Chateau La Barre” é na minha opinião um ponto fraco do álbum, mas dura pouco mais de dois minutos. Um teclado eletrônico lidera a faixa que parece mais um interlúdio ligando a faixa anterior à próxima. No entanto, esse “gancho” não combina bem com nenhuma das duas, ficando deslocado tanto em relação as duas faixas quanto ao álbum como um todo. “Serpentine” começa com uma vibe que remete ao White Stripes, misturada com uma explosão sonora quase metálica. A faixa varia entre momentos pesados e outros mais suaves, com uma veia jazzística evidente, especialmente nos ataques de Hammond. “The Way” é a faixa final, excelente tanto para encerrar o álbum, quanto para finalizar os shows da banda. É uma ilustração perfeita de quatro músicos que trabalham quase como metrônomos humanos. Linhas de baixo que talvez sejam as melhores do álbum, solos fervorosos de guitarra e teclados atmosféricos, além de uma bateria exuberante, confeccionam um final de álbum que não poderia ser melhor.

Ao chegar ao final deste álbum de quase 70 minutos, percebi que apenas os pouco mais de dois minutos de “Chateau La Barre” que verdadeiramente não me agradaram. Isso me deu a certeza de que estava diante de uma grande banda que produziu mais um feito notável e que merece uma repercussão muito maior do que tem atualmente. There Are No Ordinary Moments é um disco com um nível incrível de musicalidade e cheio de variações, que mesmo explorando inúmeros caminhos e direções diferentes, consegue se manter coerente e cativante.

NOTA: 8.8/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. Red Blanket - 8:13
2. Eagle Plains - 7:58
3. The Virtue of... - 5:52
4. Flatlander - 3:14
5. Tramp Hollow - 5:28
6. Notes of the Concubine - 8:20
7. Eyota - 12:39
8. Chateau La Barre - 2:12
9. Serpentine - 6:54
10. The Way - 7:30

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Julia Holter - Something in the Room She Moves (2024)

 

Julia Holter é conhecida por sua abordagem musical experimental na música pop e alternativa. Começou a estudar música desde cedo, aprendendo piano, violão e canto. Ela frequentou a Alexander Hamilton High School e depois estudou composição musical no California Institute of the Arts, onde obteve seu BFA e MFA.

A música de Holter é frequentemente descrita como uma fusão única de diversos gêneros, incluindo música erudita, pop experimental e eletrônica ambiental. Essa fusão eclética resulta em um som original e cativante. O aspecto mais notável são suas letras poéticas e atmosféricas, que podem transportar os ouvintes para um universo emocionalmente rico e evocativo. As letras muitas vezes exploram temas profundos e introspectivos, enquanto a atmosfera musical proporciona uma sensação de imersão e contemplação.

Something in the Room She Moves é o mais novo álbum da artista, trazendo novamente suas principais características, como composições intrincadas e arranjos complexos. Cada faixa é cuidadosamente elaborada, com camadas de instrumentação que se entrelaçam de maneira sofisticada, criando uma experiência auditiva rica em detalhes e texturas sonoras.

Something in the Room She Moves possui uma carga emocional profunda, influenciada em parte pela experiência pessoal da artista Julia Holter durante a pandemia do COVID-19 e sua jornada na maternidade. A composição captura momentos íntimos e reflexivos, refletindo a complexidade dos sentimentos que surgem em tempos de incerteza e transformação. Holter infunde a música com uma sensação de reverência e maravilha diante da vida e do amor. Os arranjos sonoros evocam uma atmosfera de contemplação e introspecção, enquanto as letras poéticas exploram temas de conexão humana, esperança e resiliência.

"Sun Girl" é uma música que inicia por meio de uma boa vibração de indie pop e se mantem assim na maior parte do tempo. O final expansivo e atmosférico em uma frase repetida várias, pode significar uma narração cheios de ideias e visões criativas, onde a mente se liberta para explorar novas possibilidades. "These Morning" é uma faixa melancólica que tem o saxofone como maior destaque, porém, no geral tudo soa de forma profunda provocando uma espécie de cruzamento entre as sensações conforme tudo vai se desenvolvendo. Tudo isso sob uma letra que parece explorar temas de esperança, arrependimento, vulnerabilidade e escapismo

"Something in the Room She Moves" começa doce e serena, mas conforme vai se desenvolvendo, também cresce bastante em intensidade, chegando em um pico quase sinfônico antes de retornar para as suas batidas serenas e melodia melancólica. Traz a busca como tema de sua narrativa, além da  admiração e contemplação, com uma mistura de elementos mundanos e surreais.

"Materia" é bastante intimista e produzida basicamente por meio dos vocais e usos pontuais de teclados que adicionam uma atmosfera taciturna e melodia arrastada, enquanto Holter explora um amor idealizado e compartilhando experiências intensas. "Meyou" é bastante experimental e viajante, onde a sua letra se baseia apenas em repetir inúmeras vezes o nome da faixa. De vocal solo que vai se transformando aos poucos em uma improvisação heterofônica, liricamente pode indicar um equilíbrio ou uma dinâmica de reciprocidade na interação entre duas pessoas. 

"Spinning" possui uma base mais pulsante, com o baixo nas alturas e sintetizadores que a permeiam por toda parte, além das batidas serem mais tempestuosas. Uma autorreflexão que sugere uma aceitação diante de uma jornada pessoal, incluindo tanto os momentos de alegria quanto de tristeza. "Ocean" é uma faixa instrumental. Composta principalmente por teclados espaciais e sintetizadores, a música é construída em camadas intricadas, criando uma paisagem sonora densa e envolvente.

"Evening Mood" possui uma atmosfera bastante liquida, enquanto as suas melodias se entrelaçam, sendo as linhas de baixo e as camadas de teclados seus maiores destaques. Uma verdadeira evocação de sentimentos nostálgicos, conexão e contemplação sobre a passagem do tempo. "Talking to the Whisper", uma desconexão e separação entre duas pessoas e que explora temas como a distância, comunicação, esperança e a natureza complicada do amor. É mais um momento do disco que contem boas doses de experimentações e pinceladas lisérgicas encaixadas brilhantemente.

"Who Brings Me", a ideia do menos é mais que existe dentro do minimalismo pode ser aplicada facilmente aqui. O disco chega ao fim com uma peça encantadora, entregando novamente teclas em camadas, enquanto isso, Holter explora temas como sonho, natureza e o amor, evocando uma sensação de admiração e devoção pelo mundo ao nosso redor e pela pessoa amada.

Something in the Room She Moves é um disco que se comporta como uma montanha-russa de experiências musicais. É evidente que Holter se aventurou por uma variedade de estilos, sons e temas, buscando desafiar as expectativas e criar algo valioso, nos convidando para mergulharmos nas profundezas da nossa própria alma e explorar os mistérios do coração humano.

NOTA: 9.2/10

Gênero: Art Pop

Faixas:

1. Sun Girl - 5:52
2. These Morning - 3:49
3. Something in the Room She Moves - 6:18
4. Materia - 3:08
5. Meyou - 5:55
6. Spinning - 6:14
7. Ocean - 5:38
8. Evening Mood - 6:24
9. Talking to the Whisper - 6:52
10. Who Brings Me - 3:38

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

The Messthetics and James Brandon Lewis - The Messthetics and James Brandon Lewis (2024)

 

Antes de mais nada, quem são The Messthetics e James Brandon Lewis? O primeiro, é uma banda instrumental de rock experimental, composta pelo baterista Brendan Canty e pelo baixista Joe Lally — ambos anteriormente membros da influente banda de punk, Fugazi — junto com o guitarrista Anthony Pirog. A banda explora sons densos e complexos, enquanto também consegue incorporar momentos de suavidade e beleza. A combinação do baixo e bateria fornecidos por Lally e Canty com as experimentações de guitarra de Pirog cria uma textura sonora distinta.

James Brando Lewis é um saxofonista com uma presença marcante no cenário do jazz contemporâneo. Ele combina elementos de jazz tradicional com influências modernas como hip-hop, funk e soul. Isso resulta em um som único que desafia as convenções do jazz e incorpora uma energia vibrante. Lewis é frequentemente elogiado pela forma como combina suas raízes no jazz com uma abordagem contemporânea, criando músicas que são tanto cativantes quanto desafiadoras. Sua capacidade de comunicar emoções complexas por meio de seu saxofone é uma marca registrada de sua carreira.

Dito isso, The Messthetics and James Brandon Lewis é um autointitulado do projeto que nasce de uma colaboração entre duas forças musicais excepcionais. Essas forças unem suas habilidades e experiências para criar uma fusão vibrante de estilos musicais, como jazz rock, art punk e rock progressivo. O resultado é uma obra repleta de complexidades e detalhes sutis, com improvisações inspiradas e uma energia contagiante que permeia cada faixa do disco. Os dois lados trazem suas próprias abordagens criativas e bagagem musical, resultando em uma mistura única de sons que mesclam harmonias e ritmos diversos. Cada peça do álbum explora diferentes aspectos desses gêneros musicais, permitindo que os músicos se expressem livremente através de suas composições e interpretações.

É importante ressaltar, que a colaboração entre The Messthetics e James Brandon Lewis não resulta em um som denso ou numa massa sonora opressiva – ainda que haja ataques instrumentais efusivos em alguns pontos. Essa parceria se destaca pela sua abordagem sutil e equilibrada, onde cada músico contribui com sua experiência e estilo de maneira harmoniosa. Eles conseguem criar uma textura sonora rica e complexa, mantendo um caráter leve e acessível ao mesmo tempo. Há uma exploração musical muitas vezes por meio de algumas nuances delicadas, evitando qualquer tipo de sobrecarga ou exagero sonoro. Em vez de criar uma parede de som avassaladora, eles optam por uma interação fluida e dinâmica e que destaca as habilidades individuais de cada um, enquanto mantém uma coesão impressionante.

The Messthetics and James Brandon Lewis se destaca pela ausência de qualquer trecho fraco ou mediano, com todas as faixas fluindo naturalmente. Cada composição é convincente e envolvente, demonstrando uma fusão magistral de vários elementos musicais. Todas as mesclas de gêneros distintos soam de forma harmoniosa e impactante, criando uma experiência auditiva única e memorável. A maneira como os músicos combinam, por exemplo, os elementos do rock e do jazz, resulta em uma obra que transcende as expectativas convencionais, apresentando algo realmente inovador. Nestes casos, as influências do jazz aparecem de maneira sutil e refinada, enquanto os aspectos do rock, outorga energia e intensidade às faixas.

O álbum é uma recomendação essencial para quem deseja explorar a fusão única entre o jazz e o rock, passeando por algumas ruelas ao lado do punk, além da música experimental e progressiva. Com uma excelente abordagem, a música oferece uma experiência envolvente, proporcionando aos ouvintes um itinerário sonoro que desafia expectativas convencionais. Os ouvintes são presenteados do começo ao fim com uma variedade de nuances, desde solos impressionantes até passagens melódicas atraentes, tornando este álbum um verdadeiro petardo para quem aprecia a criatividade musical em sua forma mais pura. Pra quem se deixar levar, é uma viagem inesquecível, pois irá expandir seus horizontes musicais e mergulhar em uma combinação de sons que é surpreendente e emocionante.

The Messthetics and James Brandon Lewis se revela como uma fascinante interseção entre a improvisação livre e o espírito rebelde do rock, incorporando ainda a energia crua do punk. A combinação de estilos resulta em uma experiência auditiva imprevisível, que conquista os ouvintes pela fusão única de gêneros. O álbum se destaca por sua diversidade sonora, que dá espaço a melodias e refrãos cativantes. Além disso, a capacidade de alternância entre passagens intensas e dinâmicas e momentos mais suaves e melódicos demonstra uma ótima versatilidade do quarteto.

Por fim, o álbum gravado em apenas alguns dias, captura uma energia intensa e autêntica que revela a incrível química entre os músicos. Cada integrante trabalha em conjunto, desafiando-se mutuamente a sair de suas zonas de conforto e explorar novos territórios musicais. Embora o processo seja gradual, a colaboração dinâmica se traduz em um som fresco e empolgante, evidenciando a força coletiva de um projeto que tem a potencial de inovar cada vez mais.

NOTA: 9.5/10

Gênero: Jazz Rock, Música de Vanguarda

Faixas:

1. L'Orso - 4:40
2. Emergence - 2:59
3. That Thang - 3:11
4. Three Sisters - 5:15
5. Boatly - 7:27
6. The Time is The Place - 5:58
7. Railroad Tracks Home - 7:15
8. Aesthenia - 2:32
9. Fourth Wall - 6:56

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

domingo, 29 de dezembro de 2024

Ill Considered – Precipice (2024)


Ill Considered é uma banda que surgiu em 2017, quando Emre Ramazanoglu (bateria) e Idris Rahman (saxofone) resolveram iniciar um projeto musical com enfoque na experimentação e improvisação. Eles tinham o desejo de explorar novos caminhos criativos, adotando uma formação instrumental que abrange bateria, saxofone e baixo, esse último ficando a cargo de Jean-Marie Brichard. A primeira sessão de jam que a banda realizou foi registrada e, logo em seguida, mixada e masterizada em um intervalo de 24 horas, resultando na produção do álbum de estreia do grupo. 

A abordagem independente de produção no estilo "faça você mesmo" mostrou-se extremamente eficiente para a banda. Nos três anos seguintes ao seu início, trabalharam de forma autônoma na criação de diversos álbuns. No total, eles lançaram nove álbuns, sendo que alguns foram gravados ao vivo em performances enérgicas, enquanto outros foram registrados em estúdio. A combinação de sua abordagem improvisada e a sua dedicação à produção ágil e independente consolidou a posição do Ill Considered como uma presença marcante no cenário do jazz instrumental contemporâneo.

Essa metodologia de trabalho, marcada por experimentações ousadas e uma busca constante por novos sons e técnicas, definiu não apenas a identidade artística do trio, mas também serviu como um catalisador para sua evolução contínua. O grupo vem construindo um legado que é marcado por uma discografia rica em variedade e profundidade, além de desafiadora. Sua mais nova obra a ser exposta em sua vitrine musical, também é uma sequencia natural de um rio agitado, mas que sabe exatamente para onde está indo.

Precipice é um álbum que incorpora elementos do jazz estilo livre, conhecido como free jazz, com influências de músicas de vanguarda. Essa fusão oferece uma experiência sonora poderosa. As composições do álbum exploram harmonias não convencionais, ritmos complexos e improvisações intensas, criando paisagens sonoras que capturam a essência do jazz moderno, enquanto se aventuram em terrenos experimentais. Ramazanoglu, Rahman e Brichard proporcionam ao ouvinte uma dinâmica envolvente, entregando peças que são um verdadeiro deleite para quem aprecia músicas feitas com liberdade criativa.

Ainda que o trio tenha sido conhecido por sua ousadia e experimentalismo em álbuns anteriores, não é justo usar isso para diminuir a grandiosidade do novo trabalho. Idris Rahman é um saxofonista incrível e está à frente da sonoridade do disco, liderando com performances marcantes que equilibram ataques energéticos com notas espaçadas, sempre executadas com um forte senso de direção e propósito. Esse equilíbrio entre intensidade e calma permite que o álbum entregue uma experiência auditiva rica e multifacetada.

Enquanto isso, Jean-Marie Brichard e Emre Ramazanoglu entregam uma seção rítmica firme e cuidadosamente trabalhada. Brichard, no baixo, e Ramazanoglu, na bateria, demonstram uma incrível sincronia enquanto executam linhas rítmicas sólidas e dinâmicas em performances que se complementam muito bem. Os dois trazem uma combinação de energia e estabilidade ao disco, sustentando as melodias com firmeza. As linhas de baixo adicionam profundidade ao som, enquanto os ritmos de bateria de Ramazanoglu marcam o tempo com clareza e precisão, monde ambos estabelecem uma estrutura musical robusta que mantém o disco interessante do início ao fim, proporcionando uma experiência sonora valiosa.

Embora o álbum apresente uma quantidade menor de explosões sonoras e passagens instrumentais intensas do que eu normalmente costumo preferir em trabalhos dessa natureza, sua música é uma experiência auditiva excepcional. Precipice proporciona uma atmosfera agradável, que pode ser apreciada de várias maneiras distintas. Quando tocado em segundo plano, o álbum cria um ambiente sonoro suave e harmonioso, ideal para momentos de relaxamento ou atividades cotidianas. Suas melodias tornam-se uma trilha sonora agradável que acompanha suavemente o ambiente, proporcionando uma sensação de serenidade.

Em contrapartida, caso o ouvinte queira imergir dentro do álbum e abraçar toda a sua profundidade e complexidade, os arranjos intricados e as harmonias cuidadosamente construídas o convidam para uma viagem sônica profunda. Essa versatilidade é o mais interessante, pois atende a diferentes estados de espírito e preferências, agradando tanto a quem busca uma experiência tranquila quanto a quem deseja uma imersão mais profunda na música.

NOTA: 8.1/10

Gênero: Free Jazz, Música de Vanguarda

Faixas:

1. Jellyfish - 4:10
2. Don't Be Sad (It's Too Late) - 3:23
3. Vespa Crabro - 6:01
4. Linus with the Sick Burn - 3:39
5. And Then There Were Three - 4:15
6. Katabatic - 5:05
7. Black Lacquer - 4:02
8. Kintsugi - 2:20
9. Solenopsis - 6:41
10. Alpenglow - 4:41

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Shabaka - Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace (2024)

 


Shabaka Hutchings é, sem dúvida, uma figura proeminente no cenário do jazz contemporâneo. Sua carreira é uma jornada fascinante por meio de uma rica tapeçaria de estilos musicais que o destacam como um músico bastante importante de sua geração. Hutchings tem sido moldado por uma combinação única de influências culturais e musicais. Sua herança caribenha, permeada pelas vibrantes tradições musicais da região, desempenhou um papel fundamental em sua formação como músico. Além disso, o ambiente musical diversificado de Londres, onde cresceu e se desenvolveu como artista, proporcionou a ele uma ampla gama de experiências e influências para explorar.

O talento de Shabaka vem de muito cedo. Mergulhando em uma variedade de estilos que vão desde o jazz ao reggae, o músico parece está sempre observando o que acontece de mais rico na música ao seu redor para poder servir de inspiração para suas próprias composições. Toda a versatilidade de Hutchings vem dessa sua sede por conhecimento e vontade de explorar um mundo infinito de possibilidades que a música pode proporcionar. Sua capacidade de unir tradição e inovação, combinando elementos do passado com uma visão contemporânea é um dos seus maiores trunfos dentro da construção de sua obra.

Comparado com os projetos coletivos dos quais Shabaka Hutchings faz parte, como Sons of Kemet e Melt Yourself Down, a música encontrada em Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace, segue linhas muito mais contemplativas. O álbum convida o ouvinte para uma jornada interior, onde a música serve como veículo para uma reflexão. As composições são mais espaçadas e etéreas, permitindo que cada nota ressoe e se desdobre lentamente ao longo do tempo. Há uma sensação de calma e serenidade que permeia todo o disco, entregando melodias envolventes e de texturas ricas para o ouvinte.

No disco, Hutchings não se limita em tocar apenas às várias nuances das flautas, mas também exibe sua habilidade no saxofone – afinal, este até então sempre foi o seu instrumento principal - na faixa Breathing. São mais de 20 músicos que se juntam a ele no decorrer do álbum, contribuindo para uma rica tapeçaria sonora. Nomes como do percussionista Carlos Niño, o virtuoso violinista e violoncelista Miguel Atwood-Ferguson, o baixista sempre sólido, Speranza Spalding e de Brandee Younger e Charles Overton com suas melodias etéreas nas harpas. Além disso, a diversidade vocal é outro ponto interessante, com participações que vão desde Moses Sumney e Saul William até as rimas perspicazes do rapper Elucid, além da doçura de Eska.

As sessões de gravação foram marcadas por uma abordagem única e intimista, refletindo a visão artística de Hutchings e sua ênfase na autenticidade e na conexão humana. Durante esse processo, o músico valorizou enormemente a importância de ter os músicos tocando juntos no mesmo ambiente, sem o uso de fones de ouvido ou barreiras tecnológicas que pudessem interferir na comunicação e na interação entre eles. O resultado é um testemunho da poderosa conexão que pode ser alcançada quando os músicos se reúnem em um espaço compartilhado, sem barreiras entre eles além da música que estão criando juntos.

Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace é um disco exuberante, lindamente texturizado, emocional e espiritualmente impactante, onde a sua real beleza não está apenas em sua música, mas também na sua capacidade de tocar o coração, como se ressoasse em forma de um convite para uma viagem introspectiva e transcendental. Cada nota parece carregar um tipo de significado ao criar melodias que são executadas com uma graça singular. Particularmente, eu adoro discos que não entregam somente simples entretenimento, mas deixam uma marca duradoura naqueles que o abraçam e estão dispostos a senti-lo.

A característica distintiva do álbum reside na sua consistência e qualidade de produção. No entanto, vale destacar também que a recepção do disco pode variar significativamente entre os ouvintes, especialmente devido às suas nuances emocionais que, apesar de classificadas como jazz espiritual, inclinam-se frequentemente para um lado melancólico. Por um lado, essa abordagem pode ser uma revelação bem-vinda, uma expressão autêntica que ressoa profundamente com o ouvinte e as suas próprias vivências – sendo exatamente o meu caso. Por outro lado, enxergar o disco como uma tendência musical inclinada para sentimentos mais sombrios, pode desafiar as expectativas iniciais do ouvinte, levando a uma experiência de audição que no fim acabará não soando muito gratificante.

Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace representa uma ruptura ousada e corajosa com o caminho já trilhado por Hutchings e que até então havia sido bem-sucedido. Ao desviar-se dos padrões estabelecidos e explorar novos territórios, ele desafia as expectativas e redefine sua jornada artística. É evidente que o músico está no auge de sua criatividade, explorando novos horizontes e desafiando a si mesmo. O resultado disso, é um testemunho do poder transformador da arte e da música, além de mostrar a capacidade de um artista de evoluir e se reinventar continuamente. No fim, o álbum é uma celebração da coragem de Hutchings em seguir em frente em direção ao desconhecido, mas confiante na própria visão.

NOTA: 9/10

Gênero: Jazz Espiritual, Jazz de Câmara, New Age

Faixas:

1. End of Innocence - 2:36
2. As the Planets and the Stars Collapse - 2:35
3. Insecurities - 4:39 feat. Moses Sumney
4. Managing My Breath, What Fear Had Become - 3:11 feat. Saul Williams
5. The Wounded Need to Be Replenished - 2:44
6. Body to Inhabit - 7:28 feat. Elucid
7. I’ll Do Whatever You Want - 7:43 feat. Floating Points & Laraaji
8. Living - 3:41 - feat. Eska Mtungwazi
9. Breathing - 4:27
10. Kiss Me Before I Forget - 2:57
feat. Lianne La Havas
11. Song of the Motherland - 4:45 feat. Anum Iyapo

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

sábado, 28 de dezembro de 2024

Steve Hackett - The Circus and the Nightwhale (2024)

 

Steve Hackett retorna pouco mais de dois anos após seu último trabalho, Surrender of Silence de 2021, com seu 30° álbum solo, The Circus and the Nightwhale. Este novo trabalho é um disco conceitual, composto por 13 faixas que giram em torno de um jovem personagem chamado Travla. No entanto, como o próprio guitarrista revelou, o álbum também possui um ângulo autobiográfico, permitindo que ele externalize muitas coisas que queria expressar há tempos. Dessa forma, o disco pode ser visto como uma jornada pela vida do guitarrista, seja de forma literal ou metafórica.

Embora o álbum contenha 13 faixas, ele é relativamente compacto, com apenas 44 minutos de duração, diferenciando-se dos seus trabalhos anteriores que tinham uma influência marcante de world music. Aqui, Hackett opta por mergulhar em uma sonoridade progressiva mais clássica. Para os fãs mais puristas que talvez tenham perdido o interesse nos álbuns mais recentes do guitarrista, este pode ser o momento ideal para redescobrir sua música.

Aos 74 anos, Steve Hackett poderia facilmente desfrutar dos louros de sua carreira brilhante. No entanto, ele escolhe continuar prolífico, não apenas realizando grandes shows pelo mundo, mas também criando discos com material inédito, algo que faz em intervalos relativamente curtos. Como de costume, Hackett conta com a participação de músicos de peso, como Roger King (teclados, programação e arranjos orquestrais), Amanda Lehmann (vocais), Nad Sylvan (vocal e guitarra), Benedict Fenner (teclados), Rob Townsend (saxofone e tin whistle), John Hackett (flauta), entre outros. Durante o álbum, Hackett não apenas toca guitarra, violões de 6 e 12 cordas, bandolim, gaita, percussão e baixo, mas também assume os vocais.

O álbum começa com "People of the Smoke", que inicia com efeitos sonoros e um trecho do programa de rádio infantil da BBC, Listen With Mother. Hackett entrega vocais equilibrados e linhas de guitarra prazerosas, enquanto a bateria de Nick D'Virgilio é precisa e refinada. Essa faixa sinfônica dá um ótimo início ao disco. O vídeo oficial de "People of the Smoke" é uma evocativa homenagem à Londres nebulosa da época, capturada por Paul Gosling. "These Passing Clouds" é a primeira das quatro faixas com menos de dois minutos de duração. Trata-se de uma peça instrumental sinfônica com um dos solos de guitarra mais intensos do álbum, apesar de sua curta duração. Já "Taking You Down" foi composta em homenagem a um amigo problemático de Hackett na escola, entregando uma das guitarras mais ferozes do disco, complementada pelos vocais de Nad Sylvan e um saxofone agressivo.

"Found and Lost" é uma faixa intimista que rememora o primeiro amor de Hackett, marcado por desilusões e caminhos divergentes. A melancolia da música é reforçada pela interpretação vocal pessoal do guitarrista. Em seguida, "Enter the Ring" revisita as memórias da fama nos anos 70 com o Genesis, sendo uma das melhores faixas do disco, com seus solos de guitarra, flautas flutuantes e atmosfera circense. "Get Me Out" reflete as frustrações de Hackett com o Genesis após a saída de Peter Gabriel, especialmente a sensação de ser deixado de lado. A faixa é uma das mais pesadas do álbum, com guitarras intensas e uma orquestração em ritmo de marcha. "Ghost Moon and Living Love" narra a determinação de Hackett em seguir seu próprio caminho após a saída do Genesis. Com quase sete minutos de duração, é a maior peça do disco, destacando-se pelos vocais de Amanda Lehman e solos de guitarra encantadores. 

"Circo Inferno", por sua vez, explora o período caótico do guitarrista em sua ex-banda, misturando sonoridades de metal progressivo e influências do Oriente Médio. As faixas mais curtas "Breakout" e "All at Sea" mantêm a energia do álbum, com a primeira sendo um rock instrumental ardente e a segunda transitando para uma atmosfera mais sombria. "Into the Nightwhale" aborda a superação de demônios pessoais com uma melodia que lembra "Darkness" de Peter Gabriel e vocais que evocam David Gilmour. Finalmente, "Wherever You Are" é uma declaração de amor para a esposa de Hackett, enquanto "White Dove" encerra o disco com uma peça instrumental melancólica e romântica.

Mesmo soando mais como um disco de rock progressivo clássico, The Circus and the Nightwhale se desenvolve de maneira diversificada e envolvente. O álbum prova que mesmo após tantos anos, Steve Hackett continua sendo um músico relevante e inspirador.

NOTA: 8/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. People of the Smoke - 4:51
2. These Passing Clouds - 1:34
3. Taking You Down - 4:17
4. Found and Lost - 1:50
5. Enter the Ring - 3:52
6. Get Me Out - 4:15
7. Ghost Moon and Living Love - 6:43
8. Circo Inferno - 2:30
9. Breakout - 1:37
10. All at Sea - 1:46
11. Into the Nightwhale - 4:06
12. Wherever You Are - 4:18
13. White Dove - 3:13

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

Cindy Lee – Diamond Jubilee (2024)

 

Cindy Lee, é um pseudônimo usado por Patrick Flegel. O projeto é um mergulho profundo e distintivo nos limites da música e da expressão artística. Flegel, anteriormente membro da banda Women, conhecida por suas contribuições ao gênero art punk no Canadá, encontrou-se numa encruzilhada criativa e pessoal após o trágico fim da banda. O falecimento de Christopher Reimer, talentoso colega de banda, em 2012, foi um golpe devastador que certamente impactou a trajetória musical de Flegel. Sob o pseudônimo Cindy Lee, Flegel adota uma abordagem musical que incorpora elementos - entre outros - do pop barroco, do noise rock e da música lo-fi, criando uma atmosfera sonora melancólica.

A estética visual de Cindy Lee também merece destaque, frequentemente explorando temas de feminilidade, androginia e horror psicológico, que se interligam de maneira complexa com as camadas sonoras da música. Esta escolha de pseudônimo e persona, permite a Flegel explorar identidades e expressões que talvez fossem restritas em formatos mais convencionais de performance musical. A cada trabalho, Flegel reinventa suas expressões criativas de maneira profunda e tocante, desafiando os ouvintes a entrar em um mundo que pode ser visto como perturbadoramente belo.

Seu álbum mais recente, Diamond Jubilee, é um trabalho duplo que se destaca como um marco importante na sua trajetória artística. Com 32 faixas e mais de 2 horas de duração, o álbum propõe uma viagem ambiciosa. Ele explora uma ampla gama de estilos e experiências sonoras, proporcionando uma fusão de atmosferas distintas, que oscilam entre o etéreo e o intenso. Se trata de uma obra multifacetada e que pode atingir o público em diversos níveis, mas sempre apresentando uma experiência auditiva rica e cativante.

Ainda sobre a sua longa duração, Patrick parece não ter medido esforços para que não houvesse nenhuma gordura em meio as suas mais de três dezenas de músicas. Cada peça foi cuidadosamente bem composta para se encaixar perfeitamente no contexto do álbum, contribuindo para a sua atmosfera imersiva. Isso acaba impedindo que o álbum caia na monotonia, mantendo o ouvinte envolvido e intrigado. Também aponta mais um ponto bastante positivo em relação a Flegel, demonstrando não só sua destreza técnica, mas também sua capacidade de contar histórias e evocar emoções através da sua música.

Infelizmente, em um cenário dominado pelos serviços de streaming e suas playlists que incentivam audições superficiais e imediatistas, lançar um disco com essa extensão pode não ter sido a decisão mais acertada. Mas embora o atual cenário possa favorecer audições superficiais e instantâneas, ainda há um público significativo que valoriza a profundidade da música. Para esses ouvintes, um álbum como Diamond Jubilee pode representar uma oportunidade de se envolver profundamente com a arte, explorando suas camadas e nuances ao longo do tempo.

Uma das coisas que mais me atraem na música, são aquelas obras que conseguem ser incrivelmente ambiciosas sem cair na armadilha da pretensão. É como se elas simplesmente fluíssem e acontecessem, e ao mesmo tempo, sua grandiosidade se construísse de forma tão natural que é impossível não se deixar levar. Cada faixa se desenrola de uma maneira tão coesa e envolvente, que acaba transformando a audição em uma experiência que é um testemunho de algo verdadeiramente extraordinário. Assim, a música se torna mais do que apenas sons, mas uma expressão sublime da criatividade humana.

A influência do folk e até mesmo da música country americana em Diamond Jubilee adiciona uma camada adicional de textura e profundidade ao álbum, complementando os estilos mais esperados, como o noise pop, no wave, pop psicodélico, lo-fi e indie rock. Essas influências podem ser sutis, mas ainda assim se destacam, enriquecendo a paleta sonora do álbum e acrescentando uma dimensão emocional interessante.

O álbum traz em seu conteúdo, acenos a praticamente todas as décadas da música desde os anos 60, mas em momento algum se embaralha em sua própria ousadia, muito pelo contrário, sua coesão apenas transmite um impacto de autenticidade e comoção pura. Não há esforço consciente para imitar ou seguir tendências; em vez disso, o álbum parece acontecer organicamente por meio de uma visão criativa única de Patrick, onde a partir disso, consegue soar em forma de uma espécie de celebração da riqueza e diversidade da música.

O talento de Patrick Flegel é realmente notável, sua habilidade em criar músicas que são simultaneamente cativantes e enigmáticas é brilhante. Por meio de Diamond Jubilee, ele demonstra não apenas sua destreza como compositor e músico, mas também, sua capacidade de criar uma atmosfera misteriosa e envolvente, que mantém o ouvinte todo o tempo intrigado e surpreso conforme o disco avança rumo ao desconhecido, mostrando cada um dos lados do seu conteúdo multifacetado.

Não tem como deixar de falar também da produção. O clima sombrio que permeia a produção do disco é uma escolha artística que se revela bastante apropriada. Essa atmosfera sombria adiciona uma profundidade emocional e uma intensidade dramática às músicas, mergulhando em um universo sonoro repleto de mistério e melancolia. Além disso, esse clima contribui para a coesão do álbum, unificando as faixas em uma narrativa sonora bem ajustada, fazendo com que cada uma de suas músicas encaixem perfeitamente dentro desse contexto.

Por fim, citei a duração do disco algumas vezes e suas 2 horas realmente podem ser um problema para alguns ouvintes, mas sinceramente, não tem como deixar mais conciso aquilo onde tudo soa como essencial. Cada faixa de Diamond Jubilee parece tão crucial, tão vital para a narrativa geral, que cortar qualquer parte do disco comprometeria sua integridade. Do começo ao fim, sinto-me ser levado a um espaço emocional e sonoro que simplesmente não seria possível em um formato mais curto. Diamond Jubilee é uma exposição franca do talento de Patrick Flegel.

NOTA: 10/10

Gênero: Pop Psicodélico, Indie Rock

Faixas:

1. Diamond Jubilee - 5:22
2. Glitz - 4:10
3. Baby Blue - 3:55
4. Dreams Of You - 2:46
5. All I Want Is You - 3:00
6. Dallas - 3:15
7. Olive Drab - 1:31
8. Always Dreaming - 3:43
9. Wild One - 2:04
10. Flesh And Blood - 5:13
11. Le Machiniste Fantome - 1:02
12. Kingdom Come - 4:42
13. Demon Bitch - 4:24
14. I Have My Doubts - 3:32
15. Til Polarity's End - 4:04
16. Realistik Heaven - 3:42
17. Stone Faces - 4:22
18. Gayblevision- 2:56
19. Dracula - 6:08
20. Lockstepp - 4:39
21. Government Cheque - 5:06
22. Deepest Blue - 2:57
23. To Heal This Wounded Heart - 3:33
24. Golden Microphone - 2:49
25. If You Hear Me Crying - 4:01
26. Darling Of The Diskoteque - 3:04
27. Don't Tell Me I'm Wrong - 4:48
28. What's It Going To Take - 3:29
29. Wild Rose - 3:50
30. Durham City Limit - 5:24
31. Crime Of Passion - 3:13
32. 24/7 Heaven - 5:25

Onde Ouvir: Youtube e Bandcamp

Sierra Ferrell - Trail of Flowers (2024)

 

Sierra Ferrell é uma cantora e compositora americana de música country e folk, conhecida por seu estilo único e vintage que evoca as raízes da música americana. Ferrell se destaca por sua voz poderosa e versátil, capaz de transmitir uma ampla gama de emoções em suas performances. Ela também é conhecida por tocar vários instrumentos de cordas, incluindo violão, banjo e violino. Seu nome vem de uma crescente de admiradores não apenas na cena country, mas também entre os fãs de música folk e indie que apreciam sua abordagem fresca e sincera.

Uma das características mais marcantes de Sierra Ferrell é sua voz rica e expressiva. Ela tem a habilidade de alternar entre tons suaves e melódicos a gritos poderosos, criando uma gama emocional ampla em suas performances. Sua voz é comparada à de lendas do country como Dolly Parton e Loretta Lynn, mas com uma originalidade distinta. Além do country clássico, ela também canaliza elementos do blues, folk, jazz e até mesmo algumas incursões de swing, capturando assim, um maior número de audiência para a sua música.

As composições líricas de Ferrell são cativantes, mergulhando o ouvinte em um mundo de imagens nítidas e narrativas que variam entre profundas e às vezes até um pouco inocentes. Ela se destaca como uma boa contadora de histórias por meio de letras que tecem temas universais como amor, perda e autodescoberta. É a maneira como ela entrelaça seus temas em uma teia poética que torna suas canções tão envolventes.

A fusão de elementos clássicos com uma abordagem contemporânea confere a Trail of Flowers uma qualidade atemporal, capaz de atrair tanto os fãs tradicionais da música country, quanto os ouvintes mais contemporâneos, sempre criando uma paisagem musical rica e cativante, além de entregar uma expressão musical coesa e autêntica.

Por meio de "American Dreaming", Sierra abre o disco expressando a angústia e desconexão emocional de alguém preso em um ciclo de insatisfação, buscando significado em um ambiente sem descanso ou realização, enquanto que em "Dollar Bil Bar", há uma exploração de temas de relacionamentos, expectativas e autoconhecimento, destacando a necessidade de cautela nas interações sociais e de confiança em si mesmo para evitar desilusões.

"Fox Hunt" foi o primeiro single do álbum, um country moderno com incursões clássicas do gênero em que Sierra de forma metafórica usa a caça como exemplo para representar os desafios da vida, transmitindo uma mensagem de persistência e resiliência diante das adversidades. "Wish You Well", de forma doce e bela, aborda temas universais de superação pessoal, perdão e o desejo sincero de paz e redenção para aqueles que nos feriram.

"I Could Drive You Crazy" é um dos pontos altos do álbum, apresentando uma expressão divertida e autoconfiante de alguém que se orgulha de sua capacidade de provocar e influenciar os outros de forma leve e bem-humorada. "Why Haven’t You Loved Me Yet" entrega uma mistura deliciosa de country e honky tonk e que evoca imagens de bares de beira de estrada, enquanto isso, Sierra canta sobre uma vulnerabilidade emocional e a angústia causada pela falta de reciprocidade amorosa.

"Rosemary" é outro dos meus momentos preferidos do disco, com apenas violão e voz, Ferrell discorre maravilhosamente sobre uma jornada pessoal de enfrentar desafios emocionais, superar medos e encontrar renovação e esperança no processo. A figura de Rosemary é uma espécie de símbolo de renovação e recomeço. "Lighthouse" por meio dos seu bandolim, violino e violão entrega uma bela harmonia. A música expressa a vulnerabilidade emocional de alguém em busca de um amor genuíno como um "farol" de esperança diante da escuridão e do medo.

Embora eu não tenha mencionado todas as músicas, cada uma delas possuem méritos próprios e juntas contribuem para criar uma experiência musical sólida e coesa. Ao longo do disco, cada peça apresenta nuances e temas únicos, todas se complementando de forma harmoniosa para construir uma narrativa musical envolvente e cativante. Vale destacar a abordagem honesta e direta de Sierra em relação a temas difíceis, algo que acaba demonstrando com mais clareza ainda toda a sua coragem como artista e sua conexão profunda com sua arte. Com Trail of Flowers, Ferrel apenas confirma o seu nome como um dos grandes da nova geração da música country americana.

NOTA: 8.3

Gênero: Country, Folk

Faixas:

1. American Dreaming - 4:17
2. Dollar Bill Bar - 3:29
3. Fox Hunt - 3:17
4. Chittlin’ Cookin’ Time In Cheatham County - 3:01
5. Wish You Well - 3:38
6. Money Train - 2:40
7. I Could Drive You Crazy - 3:36
8. Why Haven’t You Loved Me Yet - 2:15
9. Rosemary - 3:36
10. Lighthouse - 3:38
11. I’ll Come Off The Mountain - 1:44
12. No Letter - 2:20

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Sarah Shook & The Disarmers - Revelations (2024)

 

Sarah Shook & The Disarmers é uma banda americana de alt-country que se destaca por uma sonoridade que mistura o tradicional e o moderno de uma forma muito particular. Liderada por Sarah Shook, a banda é conhecida por suas letras sinceras e emotivas, que frequentemente abordam temas como relacionamentos complicados, luta pessoal e a busca pela independência. Sarah formou a The Disarmers em 2015, após o lançamento do seu álbum solo Sidelong, também de 2015. A banda inicialmente incluía Eric Peterson na guitarra, Aaron Oliva no baixo, Phil Sullivan na steel guitar e Kevin McClain na bateria. 

Musicalmente, combina elementos do country tradicional com influências de punk rock, criando um som distinto e enérgico. Essa fusão pode parecer inusitada à primeira vista, mas resulta em uma música vibrante e cheia de atitude, fazendo com que o seu som se destaque na cena musical justamente por essa habilidade de mesclar o velho e o novo, além de o tradicional e o rebelde, criando um espaço único dentro do alt-country.

Revelations é o quarto disco da banda e foi concebido para aqueles que buscam uma experiência mais vibrante e elétrica na música country. Diferentemente das melodias mais introspectivas e melancólicas que muitas vezes dominam o gênero, especialmente nas vozes de outras cantoras contemporâneas, este álbum oferece uma abordagem mais energética. As músicas são marcadas por guitarras elétricas e ritmos mais pulsantes, proporcionando uma alternativa refrescante às baladas acústicas típicas do gênero.

Vale salientar também, que o disco trouxe uma formação completamente nova, incluindo Sarah que passou a atender pelo nome de River – embora tenha mantido o nome da banda. Os músicos que a acompanham em Revelations são, Blake Tallent na guitarra – que já havia aparecido em Mighmare, disco anterior - Jack Foster na bateria, Andrew Lambie no baixo e Nick Larimore na steel guitar.

O disco inicia com a faixa-título, onde Shook parece abordar a ideia de uma luta contínua com problemas de saúde mental e frustração com as dificuldades da vida cotidiana, enquanto que musicalmente há uma combinação de melodias suaves e harmonias ricas muito bem trabalhadas. "You Don’t Get to Tell Me" apresenta um tema de autoafirmação e resistência, onde Shook expressa uma forte rejeição à ideia de que outras pessoas possam impor sentimentos ou verdades sobre ela. Possui um DNA muito mais calcado no rock, com influências sutis de música country.

"Motherfucker" entrega uma pegada country enérgica contagiante, com elementos característicos do gênero, como acordes marcantes e uma batida pulsante, além de letras fortes em que Shook faz uma declaração de revolta contra o abuso emocional e a manipulação em nome de alguém que está cansado de ser tratado como um brinquedo pelo abusador, estando determinado a enfrentá-lo.

"Dogbane" oferece um contraste intrigante entre a musicalidade e a temática abordada. Enquanto entrega algumas batidas bonitas e notas otimistas, a letra desenha um quadro vívido e poético do fim do mundo. "Nightingale" possui um ritmo mais lento e uma atmosfera melancólica, que deságua em rios blueseiros, criando um pano de fundo sonoro profundamente emotivo. A música contém uma narrativa poderosa sobre enfrentar desafios e continuar a avançar com determinação e orgulho.

"Backsliders" se destaca musicalmente por sua fluidez country excelente, caracterizada por ótimas linhas de guitarra e uma steel guitar charmosa que adiciona uma camada extra de autenticidade e nostalgia à peça. Já em termos líricos, a faixa aborda uma relação complexa e tumultuada, onde ambos os envolvidos têm dificuldade em se afastar um do outro. "Stone Door" também possui uma forte linha country clássica com linhas expressivas de guitarra. Aqui, Shook embarca em uma viagem de memórias intensas de um lugar significativo, sentimentos de liberdade e a ausência de uma pessoa especial durante esses momentos.

"Criminal" encerra o disco de uma maneira memorável, trazendo um toque de country no melhor estilo fora da lei e que estava faltando. É como se Shook mergulhasse profundamente em suas influências, homenageando nomes lendários como Merle Haggard e Johnny Cash, enquanto traz sua própria interpretação para o gênero. A música narra uma história envolvente, transmitindo uma sensação palpável de peso emocional, conflito interno e vulnerabilidade.

Revelations é um disco que se destaca por suas lindas composições, vocais cativantes e instrumentações muito bem desenvolvidas. Cada faixa é um testemunho do excelente trabalho de mixagem e produção, onde o detalhe sonoro é cuidadosamente lapidado para criar uma experiência auditiva rica e envolvente. Shook, mais uma vez, conduz o disco com uma maestria notável, mostrando uma direção clara e segura em cada uma de suas escolhas de caminho.

NOTA: 8/10

Gênero: Country Alternativo, Rock Alternativo

Faixas:

1. Revelations - 3:01
2. You Don't Get To Tell Me - 2:54
3. Motherfucker - 3:09
4. Dogbane - 3:45
5. Nightingale - 5:12
6. Backsliders - 3:45
7. Stone Door - 3:20
8. Jane Doe - 4:28
9. Give You All My Love - 4:06
10. Criminal - 3:39

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

The Circle Project - Bestiario II (2024)

 


The Circle Project é um projeto espanhol idealizado por Ángel G. Lajarí – que não canta e nem toca nenhum dos instrumentos, mas se posiciona na produção, na criação de arte e design gráfico, além de ser o gerente do projeto. O som da banda se destaca pela sua abordagem criativa que combina muito bem literatura e uma ampla gama de gêneros musicais, com um enfoque especial no art rock. A proposta da banda é oferecer uma experiência musical que vai além da simples apreciação sonora. Suas composições não são apenas sofisticadas e elaboradas, mas também carregam narrativas literárias profundas e envolventes que capturam a imaginação e o coração de quem se deixa embarcar no mundo criado pelo grupo. Ao integrar elementos de storytelling com arranjos musicais sinfônicos, a banda proporciona uma imersão completa no universo das suas criações.

Considero a gênese do The Circle Project bastante curiosa. O conceito da banda surgiu a partir de uma série de discussões entre os membros do grupo espanhol no Facebook denominado Prog Circle. Este grupo, dedicado ao rock progressivo e seus diversos subgêneros, funcionou como um ponto de encontro virtual para entusiastas da música progressiva. E foi nesse espaço que a paixão pela música encontrou um terreno fértil, permitindo que ideias criativas fossem compartilhadas e exploradas. As conversas e interações dentro do grupo não apenas fomentaram a troca de influências e experiências, mas também ajudaram a moldar a visão e a identidade do projeto que estavam prestes a iniciar.

Bestiario II é o segundo álbum do grupo, e como o próprio nome sugere, dá continuidade à temática explorada em seu antecessor. O conceito permanece centrado em uma fascinante coleção de descrições de criaturas, sejam elas reais ou mitológicas. Cada música funciona como uma entrada em um bestiário sonoro, onde melodias e arranjos muito bem compostos evocam a natureza, o mistério e a magia que envolvem esse assunto. Assim, Bestiario II não apenas complementa o trabalho anterior, mas também expande o universo sonoro e imaginativo do grupo.

Ainda que cada música tenha os seus méritos e valem apena, vou comentar sobre as músicas que mais gostei. Antes, por meio de um Manual De Criptozoología, uma voz nos dá as boas-vindas a essa nova viagem por esse universo fascinante e proporcionada pelo grupo: Um novo livro esperado chegou em nossas mãos. Voltaremos a viajar no tempo e no espaço com animais impossíveis, coloridos e arcanos, de terras distantes e oceanos passados. Para ouvir suas canções, abramos novamente o bestiário. Após essa narração introdutória, o disco começa por meio de “Mantícora”, uma criatura mitológica de origem persa, posteriormente incorporado à mitologia grega e que tem uma cabeça de homem, corpo de leão e cauda de dragão ou escorpião. O violão inicia com um deslizar solitário, mas logo outros instrumentos entram em cena, cada um trazendo sua própria cor e textura, enriquecendo a composição e criando uma harmonia que evolui gradualmente. Interessante uma música tão delicada para simbolizar uma criatura tão feroz. A ideia pode ser a de explorar uma narrativa sobre a coexistência de força e delicadeza, ou mesmo sobre a natureza enganosa das aparências.

É uma espécie de lula gigante que vive nas profundezas abissais. O tamanho excessivo de seus tentáculos cria grandes redemoinhos – semelhantes aos de Caríbdis no Estreito de Messina – e é capaz de afundar barcos. Já mencionado em bestiários medievais e por Jules Verne, hoje representa mais um mistério do oceano, talvez menos conhecido do que o nosso sistema solar. Com essas palavras, "Architeutis Dux -Kraken" nos é apresentada. A produção sonora é muito bem projetada para refletir a vastidão e a escuridão das águas profundas. Os arranjos experimentais são ricos em texturas e camadas, criando um senso palpável de profundidade e complexidade que é emblemático das lendas que cercam essa criatura.

“Pardus Alatus Nero”, um felino voador implacável e imponente, descrito na narração que antecede a música como, nobre, forte e musculoso, capaz de lançar-se ao oceano durante seus voos para caçar focas, ursos polares e até mesmo lobos marinhos. Ele desce até as profundezas marinhas em busca de um parceiro, e uma vez que encontra seu objeto de amor platônico, nunca o esquece, apesar de sempre retornar ao seu lugar de origem. Começa de forma serena, quase onírica. O violão o o hulusi – instrumento chinês de sopro - dominam a peça por um bom tempo, até que há uma mudança de direção com a entrada da seção rítmica e guitarra elétrica, trazendo energia e peso para a peça. Essa mudança de sonoridade, pode ser visto como o momento que a criatura revela sua verdadeira natureza, deixando a calmaria para assumir uma presença dominante e ameaçadora.

“Meiga”, aqui a banda parece está focada apenas em um tipo de meiga, porém, é bom deixar claro que as meigas podem ser divididas em diferentes tipos, como as "meigas chuchonas," que sugam a energia vital das pessoas, as "meigas de mal," que são mais maléficas e citadas na narração, além das "meigas boas" ou "meigas de bien" que são consideradas curandeiras ou protetoras. Por meio de uma sonoridade delicada produzida por teclados em camadas e violão, deitam alguns vocais emotivos que cantam sobre a dor causada por uma mulher que esmagou seu coração e lançou um feitiço sobre ele. A cominação da música e a sua narração, que de certa forma, pode ser um simples efeito de uma manipulação emocional, aqui ganha uma conexão com algo mais amplo e misterioso.

“Rainbow Leprechaun”, os Leprechaun são criaturas que têm suas raízes na mitologia irlandesa, onde são conhecidos como pequenos seres encantados, muitas vezes descritos como travessos e solitários e que guardam potes de ouro no final do arco-íris. A ideia do "Rainbow Leprechaun" é uma evolução dessa tradição, incorporando a magia e a cor vibrante dos arco-íris. A música começa com uma atmosfera grandiosa e sombria, marcada por arranjos sinfônicos que criam uma sensação de mistério e profundidade. A transição ocorre com a introdução de uma bateria de estilo militar acompanhada pelo baixo, que conduz a peça a um território mais robusto na quantidade de instrumentos utilizados. Segue-se um breve solo de escaleta, seguido por um de guitarra. Após esse momento de destaque, a música retorna a uma sonoridade serena, guiada pela flauta delicada e mantendo essa tranquilidade até o desfecho. Nem sempre é fácil achar uma relação da música e a criatura, mas ao menos a atmosfera grandiosa e sombria no início, pode ilustrar o Rainbow Leprechaun, uma figura que carrega um mistério e uma aura enigmática.

“Tardo”, não confundir com o ser lendário de mesmo nome, mas da mitologia dos povos indígenas da região da Amazônia. Aqui se trata do Tardo da Galícia, que é frequentemente retratado como uma entidade que vive nas áreas rurais e florestais. Pode ter uma aparência que mistura elementos humanos e animais, como orelhas pontudas ou olhos brilhantes. Gosta de aprontar com os seres humano, fazendo, por exemplo, com que se percam em florestas ou sintam sensações ruins como dores e pesadelos. Possui uma musicalidade bastante forte, principalmente por meio de uma seção rítmica enérgica e teclados sinfônicos. Enquanto isso, o vocal se apresenta da perspectiva do Tardo, ou seja, como uma figura poderosa e ameaçadora, que manipula e domina os medos e ansiedades da pessoa a quem se dirige. A sensação sinfônica de grandiosidade e mistério da música acaba ressoando com a natureza folclórica e enigmática da criatura.

 "Papilio Evanescens" é uma borboleta que tem a habilidade de desaparecer. Inicialmente uma lagarta planta, seu desaparecimento abrupto após se transformar em borboleta também costuma ser associado a características místicas, como a capacidade de viajar entre mundos ou dimensões. Musicalmente, a primeira parte da canção se destaca por sua atmosfera etérea, onde os vocais femininos sobrepostos – ainda que sejam da mesma vocalista - flutuam com uma delicadeza celestial. No núcleo da música, uma flauta encantadora surge acompanhada por batidas percussivas que trazem uma leveza rítmica. Então que a seção rítmica emerge com mais vigor, impulsionando a canção para um caminho de intensidade. Essa mudança de direção é marcada por um solo de teclado, seguido por um solo de guitarra, onde ambos edificam a composição. Dessa forma, Papilio Evanescens se torna uma metáfora viva para a música, personificando a transição da suavidade para a intensidade, da fragilidade para a força, tudo enquanto mantém sua natureza graciosa e transcendental. Além disso, sua forma de existir e desaparecer, nos faz questionar por meio da parte final de sua letra, sua ausência nos obriga a perguntar se há algo além ao morrer, sobre a morte e o mistério do que vem depois, levando à ponderação sobre a existência de uma vida após a morte ou uma continuação em outro plano.

“Draculis Scarabus” dá nome a uma criatura que exibe uma carapaça negra e reluzente e que é cuidadosamente adornada com marcas escarlates, evocando a imagem de olhos vigilantes ou garras afiadas. Esses detalhes não só acentuam, mas também amplificam sua aparência intimidadora. Inicialmente, algumas notas solitárias do baixo são acompanhadas por uma sonoridade que parece ter sido tirada de algum filme de terror dos anos 70, então a música entra em uma linha mais eletrônica, porém, ainda mantendo o toque atmosférico, que a essa altura também dá à faixa algumas leves pinceladas de psicodelia. Mais perto do fim, a bateria se intensifica, onde junta dos demais instrumentos, cria um clima quase que angustiante. Considero está a música que mais se aparenta com a criatura que representa, tendo o seu som convertido em uma essência sombria e experiência horripilante, tal qual a de se deparar com a criatura mencionada.

Assim como aconteceu com o começo do disco, no seu final também há uma breve mensagem do Manual De Criptozoología, já deixando em aberto que uma terceira parte pode acontecer: A história termina, segundo bestiário, treze outros novos seres povoam nossa imaginação. O mapa de Urbano Monte serviu como um quadro para outra grande viagem por lugares estranhos e novos. Vamos fechar este manuscrito agora, talvez outro esteja esperando.

Bestiário II é um disco encantador, tecido com uma tapeçaria sonora rica e harmoniosa. O álbum se destaca pela sua melodia envolvente e pela harmonia delicada que permeia cada faixa, criando uma experiência imersiva e cativante. Vale destacar também, a maneira como a banda ocasionalmente se aventura por territórios mais pesados, com momentos de musicalidade intensa que contrastam de forma eficaz com a suavidade predominante.

Cada música parece capturar a essência da criatura que representa, proporcionando um retrato sonoro vívido e expressivo. A transição entre a suavidade e a intensidade é executada com classe, permitindo que o álbum conte histórias ricas e variadas, todas ancoradas em uma narrativa coesa e sensível. Por fim, Bestiário II é um convite para uma jornada através de um universo sonoro repleto de contrastes, onde a beleza melódica e a força musical se encontram em uma dança harmoniosa, sempre respeitando a mitologia e a imagem evocada por cada composição.

NOTA: 9.4/10

Gênero: Rock Progressivo

Faixas:

1. Manual De Criptozoología - Continuación (0:26)
2. Capítulo 9 Mantícora (4:33)
3. Capítulo 10 Diaemus Gravida (6:18)
4. Capítulo 11 Architeutis Dux - Kraken - (3:27)
5. Capítulo 12 Pardus Alatus Nero (4:24)
6. Capítulo 13 Homo Narcissus - Leno Litore, Assinus Facies - (8:59)
7. Capítulo 14 Meiga (4:22)
8. Capítulo 15 Rainbow Leprechaun (6:53)
9. Capítulo 16 Grifelino Coloris (5:18)
10. Capítulo 17 Tardo (6:18)
11. Capítulo 18 Narvalus Transeo (4:46)
12. Capítulo 19 Papilio Evanescens (6:04)
13. Capítulo 20 Draculis Scarabus (5:15)
14. Capítulo 21 Auxia (6:50)
15. Manual De Criptozoología - Final (0:27)

Onde Ouvir: Bandcamp

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