Quando se trata de álbuns instrumentais, sei que muitos ouvintes tendem a não se sentir atraídos, pelo menos é o que percebo ao tentar recomendar esse tipo de trabalho. Confesso que às vezes consigo entender essa resistência, pois um álbum composto exclusivamente por faixas instrumentais pode facilmente soar repetitivo e enfadonho — especialmente para quem não está habituado ao gênero. Nesse caso, o disco pode parecer desprovido de coesão, como se fosse apenas uma coleção de músicas superficiais, sem direção clara, dando a impressão de que os músicos estão vagando sem saber de onde vieram ou para onde vão. No entanto, com There Are No Ordinary Moments, esse não é o caso. Apesar de sua natureza instrumental, oferece uma audição envolvente, mesmo para aqueles menos familiarizados com a música progressiva.
Este é o quinto álbum da Ovrfwrd, que permanece sólida em sua formação, trazendo novamente os mesmos integrantes dos quatro trabalhos anteriores: Mark Ilaug (guitarra), Chris Malmgren (teclado), Kyle Lund (baixo) e Richard Davenport (bateria). Desde o álbum de estreia, percebe-se que a banda tem se tornado cada vez mais entrosada, tocando com uma naturalidade que reflete o impacto instrumental e a sofisticação composicional que já se tornaram características do grupo. Há uma evidente democracia na forma como cada membro contribui com o som, resultando em um disco coeso e bem equilibrado.
Uma das marcas registradas da Ovrfwrd, presente também neste álbum, é a habilidade de transformar desenvolvimentos simples, como os encontrados no blues rock, em peças intricadas que rivalizam com as melhores jam bands. Ao longo de seus quase 70 minutos e que são distribuídos em 10 faixas, a banda explora uma rica tapeçaria de sons e texturas que vão do progressivo clássico ao jazz fusion, passando pela música psicodélica. Cada peça é robusta, mantendo o ouvinte engajado do início ao fim.
A faixa de abertura, “Red Blanket,” começa com uma forte marcação da seção rítmica e uma flauta delicadamente pontuada — executada no teclado. O que surpreende é a linha de trompete que surge logo em seguida, um toque inesperado e brilhante, embora não haja ninguém creditado no instrumento. Talvez seja mais uma intervenção do teclado, mas, de qualquer forma, a ideia ficou muito boa. A faixa tem uma forte tendência jazzística — especificamente jazz rock — com uma seção rítmica rica e cheia de nuances, além de guitarras que alternam entre o peso e a suavidade e teclados que criam uma melodia exuberante ao fundo.
“Eagle Plains” começa de forma etérea, criando uma atmosfera onírica que cativa pela sofisticação. O piano quase clássico, acompanhado por notas espaçadas de baixo e toques sutis de guitarra, prepara o terreno para que a bateria entre em cena e eleve a música a um novo patamar, tornando-a mais vigorosa. Linhas de guitarra bem elaboradas, solos incandescentes de sintetizadores e teclados sinfônicos, sustentados por uma seção rítmica sólida, fazem desta faixa um dos destaques do disco. “The Virtue of...” inicia de maneira sombria, com uma mistura de space rock atmosférico e post rock ambiental. A guitarra inflama a música ao longo de sua extensão, alternando com rajadas de órgão que remetem ao Jon Lord. Baixo e bateria novamente criam uma base pulsante, mantendo a tensão e o interesse do ouvinte.
“Flatlander” é a faixa mais pesada do álbum, flertando com o heavy metal. Aqui a banda entrega um instrumental mais direto, onde todos os instrumentos se unem para criar um ambiente distorcido e agressivo. A música não possui muita variação, então foi acertada a decisão de mantê-la curta, evitando que se prolongasse desnecessariamente. “Tramp Hollow” é outra música com pouca variação, o que pode causar uma leve frustração, já que a banda parece estar preparando o ouvinte para uma mudança de ritmo que nunca chega. No entanto, ainda assim, a faixa tem seus atrativos, com solos de guitarra vibrantes, linhas de baixo pulsantes, bateria sólida e teclados que preenchem bem todos os espaços, culminando em um solo de piano interessante no final.
“Notes of the Concubine” inicia com um violão que poderia muito bem ter saído de um disco de Steve Hackett devido à sua aura clássica. A música assume um tom psicodélico até que algumas notas mais enérgicas de piano anunciam uma mudança de direção, que se concretiza com a entrada dos demais instrumentos. Para aqueles familiarizados com o King Crimson, essa faixa ressoará como as composições mais abstratas e dissonantes da banda. Sombria e angustiante, a música também oferece momentos influenciados pelo jazz de vanguarda.
“Eyota,” com seus quase 13 minutos, é a peça mais longa do álbum. O título homenageia uma cidade de Minnesota, cujo nome deriva de um termo Sioux que significa “o maior.” Nada mais justo, afinal, trata-se do ápice do álbum em termos de composição. O piano abre a faixa, seguido por uma explosão da bateria que introduz elementos de zeuhl nos primeiros três minutos e meio, até que o piano solitário volta a guiar a música para uma direção mais acessível e menos experimental. No geral, é uma faixa que oscila entre momentos agressivos e serenos, mas sempre dentro de uma atmosfera sinistra, onde as teclas se destacam como o grande trunfo da peça.
“Chateau La Barre” é na minha opinião um ponto fraco do álbum, mas dura pouco mais de dois minutos. Um teclado eletrônico lidera a faixa que parece mais um interlúdio ligando a faixa anterior à próxima. No entanto, esse “gancho” não combina bem com nenhuma das duas, ficando deslocado tanto em relação as duas faixas quanto ao álbum como um todo. “Serpentine” começa com uma vibe que remete ao White Stripes, misturada com uma explosão sonora quase metálica. A faixa varia entre momentos pesados e outros mais suaves, com uma veia jazzística evidente, especialmente nos ataques de Hammond. “The Way” é a faixa final, excelente tanto para encerrar o álbum, quanto para finalizar os shows da banda. É uma ilustração perfeita de quatro músicos que trabalham quase como metrônomos humanos. Linhas de baixo que talvez sejam as melhores do álbum, solos fervorosos de guitarra e teclados atmosféricos, além de uma bateria exuberante, confeccionam um final de álbum que não poderia ser melhor.
Ao chegar ao final deste álbum de quase 70 minutos, percebi que apenas os pouco mais de dois minutos de “Chateau La Barre” que verdadeiramente não me agradaram. Isso me deu a certeza de que estava diante de uma grande banda que produziu mais um feito notável e que merece uma repercussão muito maior do que tem atualmente. There Are No Ordinary Moments é um disco com um nível incrível de musicalidade e cheio de variações, que mesmo explorando inúmeros caminhos e direções diferentes, consegue se manter coerente e cativante.
NOTA: 8.8/10
Gênero: Rock Progressivo
Faixas:
2. Eagle Plains - 7:58
3. The Virtue of... - 5:52
4. Flatlander - 3:14
5. Tramp Hollow - 5:28
6. Notes of the Concubine - 8:20
7. Eyota - 12:39
8. Chateau La Barre - 2:12
9. Serpentine - 6:54
10. The Way - 7:30
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