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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Sleepytime Gorilla Museum - Of The Last Human Being (2024)

 

 

Dentro da esfera do rock progressivo, o Sleepytime Gorilla Museum se destaca como uma banda de rock experimental e vanguardista, cuja proposta musical é sem dúvida desafiadora e pouco convencional, o que pode torná-la inacessível para um público mais amplo. Se você é aquele tipo de ouvinte que prefere sonoridades mais familiares e convencionais, talvez essa resenha, por mais entusiasta que seja, não consiga convencê-lo a ouvir este álbum até o fim. A tendência pode ser pular de faixa em faixa, até mesmo as duas peças mais curtas, de apenas um minuto e meio cada. Espero estar exagerando, mas essa é uma advertência justa.

Formado em 1999 em Oakland, Califórnia, o Sleepytime Gorilla Museum se consolidou como uma entidade única no cenário musical, fundindo uma ampla gama de influências em uma expressão artística inconfundível. Suas apresentações ao vivo são tão elaboradas quanto suas composições, transcendem o formato tradicional de um show de rock e incorporam elementos de performance teatral que elevam o espetáculo a outro patamar. Além disso, o grupo adiciona uma camada extra de complexidade com narrativas possivelmente fictícias inspiradas em artistas dadaístas e matemáticos, criando um ambiente lírico tão enigmático quanto sua música.

Depois de um hiato de 13 anos, o retorno da banda com o álbum Of The Last Human Being em 1º de fevereiro de 2024 foi um verdadeiro acontecimento. Eu mesmo fiquei surpreso, já que desde 2011 a banda havia interrompido suas atividades, levando muitos a acreditar que haviam chegado ao fim. No entanto, seu retorno não só reativou sua base de fãs, como também trouxe à tona um disco que em muitos aspectos, parece uma extensão natural do trabalho anterior.

Durante minha pesquisa, descobri que a banda começou a trabalhar em Of The Last Human Being ainda em 2011, o que explica o motivo do álbum soar como uma continuação orgânica do seu antecessor. Aqueles que já apreciavam o som da banda, provavelmente continuarão a fazê-lo, enquanto aqueles que nunca se conectaram com a proposta do grupo, talvez se mantenham igualmente desconectados. Contudo, a continuidade não impede o disco de surpreender. Ao longo de seus 65 minutos, Of The Last Human Being oferece uma jornada sonora repleta de momentos instigantes.

A formação do grupo permanece a mesma desde o lançamento de In Glorious Times em 2007: Nils Frykdahl (guitarra e vocal), Carla Kihlstedt (violino, percussão, guitarra, baixo, harmônica e vocais), Michael Mellender (guitarra, xilofone, trompete, percussão e vocais), Dan Rathbun (baixo, dulcimer e vocais) e Matthias Bossi (bateria, glockenspiel, xilofone, piano e vocais de apoio). Esta coesão de 17 anos se reflete em um som amadurecido e refinado, embora a essência experimental permaneça intacta.

O álbum se inicia com "Free Salamander in Two Worlds," uma peça que se refere ao livro Ishi in Two Worlds de Theodora Kroeber, mas com licenças poéticas e metáforas que transformam o conceito em algo próprio da banda. A canção evoca a biografia de Ishi, o último membro conhecido da tribo Yahi, cuja vida foi marcada por eventos dramáticos que ecoam na história de seu povo. Musicalmente, a peça se desenvolve com linhas melódicas intricadas e que são sustentadas por uma dinâmica instrumental muito bem ornamentada. Os vocais, quando acionados, são sombrios e evocam uma sensação de luto profundo, criando uma atmosfera que transborda riqueza harmônica.

"Fanfare for the Last Human Being," uma das faixas curtas do álbum, com pouco mais de um minuto e meio, é uma peça instrumental que destaca o violino de Carla Kihlstedt em uma fusão de folk tradicional e uma aura sombria. Mesmo em sua brevidade, a faixa é capaz de envolver o ouvinte em uma tapeçaria sonora rica e texturizada, demonstrando a habilidade da banda em criar momentos de grande intensidade emocional com poucos elementos. "El Vivo" é uma faixa que encapsula as estranhezas que definem o som da banda. Enquanto alguns podem acolher essas peculiaridades, outros podem achar difícil conectar-se com elas. A construção intrincada da canção é desafiadora, mas é impossível permanecer indiferente a ela. Kihlstedt oferece ataques tempestivos de violino, brilhantemente acompanhados por guitarras industriais e uma seção rítmica opulenta. Os vocais são apavorantes, criando uma experiência auditiva intensa que desafia e recompensa os ouvintes dispostos a se aventurar por esse território.

"Bells for Kith and Kin" segue com uma transição habilidosa dos sinos que encerram a faixa anterior. Com pouco mais de um minuto e meio, essa peça é um interlúdio reflexivo que ressoa como uma prece musical, proporcionando um contraste intrigante com as faixas mais intensas do álbum. "Silverfish" traz a voz melancólica e sombria de Carla, que guia o ouvinte através de uma atmosfera etérea, quase ritualística, onde o violino cria uma paisagem sonora taciturna e encantadora. A música se desenrola como um ritual espiritual, onde luz e escuridão se entrelaçam em uma dança complexa de sons e emoções.

"S.P.Q.R." é uma peça que evoca o império romano em seu título, que é uma sigla para Senatus Populusque Romanus. Musicalmente, é uma celebração do virtuosismo e da energia caótica, além da capacidade da banda de criar paisagens sonoras que desafiam a normalidade. Apesar de frenética, a faixa possui uma atmosfera ritualística que transporta o ouvinte para um ato cerimonial de pura intensidade. "We Must Know More" destaca-se por sua orquestração peculiar, onde tuba e trombone, instrumentos mais associados à música clássica, assumem o protagonismo em um cenário circense macabro. A ausência de guitarra e baixo não diminui a intensidade da faixa, que subverte o convencional e reinventa a musicalidade da banda. Os vocais de Nils Frykdahl soam como reprimendas, adicionando uma camada de tensão ao clima já denso da música.

"The Gift" é uma imersão nos reinos mais vanguardistas do rock progressivo, uma faixa que se distingue por seus ataques raivosos, tanto instrumentais quanto vocais. A intensidade da peça é simultaneamente inflamável e intransigente, enquanto as passagens sombrias preenchem os intervalos entre as explosões instrumentais viscerais. Esta faixa deixa uma impressão duradoura naqueles dispostos a explorar sua complexidade. "Hush, Hush" reintroduz a voz frágil e sussurrante de Kihlstedt, que guia a faixa através de uma construção gradativa, culminando em uma explosão instrumental onde o riff da guitarra se destaca. Após a sequência metálica, a música silencia novamente, permitindo que Kihlstedt retome o controle com uma habilidade ímpar. O vídeo da faixa, disponível no YouTube, é uma experiência audiovisual assombrosa, refletindo a capacidade da banda de provocar desconforto deliberado em cada frame.

"Save It!" é uma faixa que, apesar de curta, entrega uma explosão de criatividade e intensidade. Com menos de três minutos, a música mistura influências do rock progressivo de vanguarda em uma coreografia musical frenética e imprevisível e que desafia categorizações, além de oferecer uma experiência sonora inovadora. "Burn Into Light" é impetuosa, enérgica e complexa, equilibrando o cativante e o assustador em uma experiência multissensorial. O vídeo que acompanha a faixa eleva-a de um experimento musical para uma narrativa de horror visual, completando a experiência sonora com um caos mágico que se desenrola diante dos nossos olhos.

"Old Grey Heron" é a primeira faixa do álbum que eu recomendaria a alguém menos familiarizado com o som da banda. Embora menos experimental, ainda carrega a atmosfera sombria que permeia todo o disco, com menos vanguardismo, mas sem perder a essência da banda. A introdução de uma trombeta, ainda que tímida, é uma surpresa agradável em uma faixa que poderia ser considerada audaciosa por muitas bandas, mas que aqui se apresenta como uma das mais acessíveis. "Rose-Colored Song" encerra a jornada com uma peça que começa de forma quase alegre, mas que gradualmente se transforma em algo cada vez mais sombrio e aterrador. É um final que confirma a posição do Sleepytime Gorilla Museum como uma força criativa única e excepcional no movimento vanguardista do rock progressivo.

Ao ressurgir com Of The Last Human Being, o Sleepytime Gorilla Museum não apenas retorna ao cenário musical, mas o faz de maneira magistral. Desafiando fronteiras e explorando territórios inexplorados, o grupo demonstra uma vitalidade renovada, provando que a passagem do tempo não diminuiu sua audácia artística. Este retorno é mais do que um simples lançamento de disco, mas uma celebração da resiliência criativa e da contínua busca por novas fronteiras musicais.

NOTA:  9.6/10

Gênero: Art Metal, Música de Vanguarda, Música Experimental, Rock Progressivo

Faixas:

1. Salamander in Two Worlds - 6:31
2. Fanfare for the Last Human Being - 1:31
3. El Evil - 5:45
4. Bells for Kith and Kin - 1:26
5. Silverfish - 7:17
6. S.P.Q.R. - 4:05
7. We Must Know More - 3:36
8. The Gift - 6:11
9. Hush, Hush - 7:45
10. Save It! - 2:59
11. Burn into Light - 5:25
12. Old Grey Heron - 7:24
13. Rose-Colored Song - 5:46

Onde Ouvir: Plataformas de Streaming e Youtube

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